segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Capítulo 9 - Constância

Constância, o filho, Helena e pequena comitiva saíram logo pela manhã. 

Seguiam rumo a Nicomédia, onde Licínio se refugiara, buscando algum tempo para que pudesse negociar algo em seu favor, junto ao seu opositor.

Assim que o pequeno grupo alcançou o seu destino, Licínio foi avisado da chegada da família.


Ao avistá-lo, o coração de Constância disparou. O marido estava pálido e abatido, visivelmente doente. Ela correu-lhe ao encontro, angustiada:

- Como está, querido? Fiquei tão preocupada... 


Erguendo um pouco a cabeça, ele respondeu, agressivo:

- Como acha que posso estar? Seu irmão me tirou tudo... Abraçando-o com ternura, ela pediu:


- Querido, é hora de abrir mão dessa disputa. 


Acabou. Constantino ocupou Bizâncio, mas lhe concedeu o perdão e o direito de ficarmos todos juntos. Poderemos viver nossa vida...

- Que vida? O que me resta além da vergonha, da humilhação da derrota? Uma vida medíocre, em um buraco qualquer, fugindo e temendo as atitudes de Constantino?


Aproximando-se, Juliano tocou o ombro do pai, que permanecia sentado, cabisbaixo, e pediu:


- Anime-se, pai. Com sua experiência, pode ainda realizar muitas coisas...


Erguendo a cabeça o imperador abatido fitou o filho e comentou:


- Você não tem mesmo brios, não é? Estou derrotado. Minha família está envergonhada, vencida... Meu reino foi tirado, eu perdi tudo... 


Estou derrotado... Já nada mais me interessa...

- Constantino permitirá que vivamos com tudo aquilo de que necessitamos - aduziu Constância. 


- Você poderá fazer as coisas de que gosta, ou pelo menos gostava quando nos conhecemos...

Olhando para a esposa, ele permaneceu em silêncio. Depois indagou:


- E para onde vai nos enviar? Decerto para algum fim de mundo, abandonado por todos...


- Não sei bem, mas acho que nos enviará para Tessalônica. Erguendo-se, Licínio indagou:


- Tessalônica?


- Acho que sim.


- E por quê? -Quando me disse que concordava em perdoá-lo, ouvi uma conversa breve entre ele e Marco, e parece que falaram algo sobre Tessalônica. Gostaria de ir para lá, Licínio?


- Mas é claro! É um lugar de onde posso fazer muitos contatos e, quem sabe, reorganizar um exército...


Colocando o dedo indicador sobre os lábios do marido, ela pediu:


- Não fale nada, por favor.


Olhou na direção dos soldados que os haviam acompanhado e pediu:


- Agora temos de ir. Constantino nos aguarda.


Ainda sem ânimo, Licínio juntou-se ao grupo e retornaram para Bizâncio. Ao entrarem na localidade fortificada, Licínio não conseguia conter o ódio que sentia por ter perdido aquela poderosa cidade. Via o desprezo no olhar daque-les que haviam sido seus súditos. Seu ódio crescia a cada passo que dava. Ao aproximar-se da ampla sala que havia sido seu lugar preferido para governar, sua cólera aumentou ainda mais. Seu coração batia descompassado, suas mãos estavam geladas e trêmulas, mas Licínio sabia, como ninguém, controlar e dissimular as emoções. Ao divisar seu trono ocupado pelo rival, sentiu como se todo o sangue do corpo lhe subisse à cabeça. 


Seu coração parecia que explodiria dentro do peito. Ao vê-lo, Constantino ergueu-se e aproximou-se. Licínio, ciente de sua posição, ajoelhou-se diante do inimigo e permaneceu de cabeça quase no chão. Constantino observou-o atentamente e depois de alguns segundos disse:

- Levante-se, Licínio. Você está perdoado. Poderá passar o resto de seus dias com todo o conforto e toda a sua riqueza. Seu exílio será em Tessalônica. Partem pela manhã.


Sem dizer nada, Licínio balançou a cabeça e ajoelhou-se outra vez em reverência diante do opositor. Constantino pediu:


- Agora vamos, como forma de encerrarmos de vez essa disputa. E hora de agirmos como cidadãos romanos da alta estirpe que somos. Venha sentar-se comigo á mesa. Cearemos e encerraremos essa discórdia de vez. Fomos amigos, afinal. 


Consideremos que a posição que ocupávamos nos obrigou aos atos que tivemos. Mas entre nós, Licínio, nada existe que nos faça reais inimigos...

Concordando mais uma vez com a cabeça, em silêncio, Licínio acompanhou a comitiva que seguia Constantino até uma enorme sala onde grande mesa estava montada. Acomodaram-se. 


Constância, que ocupava o lugar ao lado do marido, buscava distraí-lo e animá-lo o quanto podia. Mas sabia que aquele era um momento tremendamente difícil para ele. O ato de perdão e concórdia de Constantino tornava-o ainda mais forte diante dos cidadãos de Bizancio e de seus próprios comandados. Aquele parecia um homem perfeito, quase um deus...

Na manhã seguinte, número considerável de homens seguiu para Tessalônica com Licínio e sua família. O imperador vencido seguiu calado a maior parte do caminho. Por mais que Constância tentasse conversar, permaneceu mudo.


Depois de acomodado em ampla mansão, com todo o conforto e trazendo consigo as riquezas pessoais, conforme Constantino havia prometido, Licínio descansou pelo resto do dia. À noite, pouco antes do jantar, avisou:


- Não me esperem para o jantar. Surpresa, a esposa perguntou:


- Aonde vai?


- Preciso encontrar alguns velhos amigos. Espero que eles possam ajudar-me.


Pressentindo com clareza as intenções do marido, Constância pediu:


- Querido, acabamos de chegar e você precisa se recuperar. Ainda está cansado...


Sem esperar que terminasse ele falou:


- Cale-se, Constância. Sua voz me irrita! Com lágrimas nos olhos ela respondeu:


- Eu só quero o seu bem...


- Então deixe-me em paz!


E saiu imediatamente, sem dizer mais nada.
Distante dali, Constantino jantava exultante com seus homens de confiança e com a família. 

Crispus estava sentado à sua direita e Fausta ocupava o outro lado da mesa. A bela e sensual esposa do imperador tinha traços delicados. Sua beleza era suave e discreta, carregada de feminilidade e sutilezas. Ela sabia da atração que causava no sexo oposto e utilizava esse poder conscientemente. Era altiva, e sua posição a envaidecia e alimentava fortemente seu orgulho.

Constantino conversava animado sobre seus planos:


- Vou transformar Bizâncio na capital do império. 


Aqui será o centro do mundo!

Marco sorriu e indagou:


- E quanto a Roma?


- Roma está decadente. Quero algo especial, que marque minha passagem sobre este império para sempre.


Fausta acompanhava a conversa em silêncio. Depois de longa pausa do pai, Crispus indagou:


- Confia em Licínio? Vai deixá-lo mesmo livre? 


Acho que ele será perigoso... Deveríamos tê-lo aqui conosco, como seu prisioneiro...

Constantino fitou o filho e comentou: 


- Ora, Crispus, por que sempre questiona minhas ordens? Não consegue confiar em minhas decisões, não é?

O rapaz ficou imediatamente lívido. Não conseguia aproximar-se mais de seu pai e isso o incomodava muito. Respirou fundo antes de responder:


- Não é isso, pai... Mas ele é um homem perigoso, você sabe... Constantino bateu com toda a força sobre a mesa e disse:


- Acha que porque venceu uma batalhazinha no mar pode questionar minhas ordens, minhas decisões?


Fez uma pausa, depois concluiu:


- Sei muito bem o que estou fazendo.


Rubro de raiva, Crispus baixou a cabeça e continuou comendo. Constantino comentou com Marco, sentado à sua direita:


- Insolente, esse meu filho...


Na verdade, Marco também não compreendia a reação do imperador. Quando recebera a notícia da corajosa e brava vitória que o rapaz havia alcançado no estreito do Helesponto, ele demonstrara quase desdém. O homem de maior confiança de Constantino não conseguia compreender-lhe a reação.


Fausta, que tudo observava em silêncio, comentou com sua serva pouco depois, em seu quarto, enquanto aquela lhe penteava os longos cabelos castanhos:


- Sei bem por que Constantino não reconhece a fragorosa vitória do filho.


- E por que, minha senhora?


- Ficou com ciúme, isso sim.


- A senhora acha?!


- Tenho certeza. Ele tem medo até da própria sombra. Não tardará e esse ciúme vai controlá-lo.


Até porque Crispus está ficando cansado de fazer tudo pelo pai e não ser reconhecido.

Sorrindo maliciosamente, ela completou:


- Vamos dar uma ajudazinha à natureza, é claro...


Sem compreender, a serva terminou o que fazia e então ajudou sua senhora a trocar de roupa, acomodou-a na cama e saiu do quarto apagando uma das velas.

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