segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Capítulo 14 - Não Demorou

Não demorou para que a notícia chegasse aos ouvidos de Constância, que, acamada, recebeu-a com indizível sofrimento:

- O que me diz, Helena? Tem certeza de que isso é verdade?


- Infelizmente sim, senhora.


- Não é possível! Meu irmão não está agindo corretamente... Ele deveria tentar compreender melhor o que se passa junto aos cristãos, e não simplesmente admitir que dogmas e regras estranhos aos ensinos do Mestre sejam inseridos com essa naturalidade.


Calou-se momentaneamente. Observou o céu pela janela e pediu:


- Abra um pouco a janela, Helena, que o ar está me faltando. Depois de atender sua senhora, Helena voltou e sentou-se outra vez ao seu lado. Constância suspirou profundamente e disse quase num gemido:


-Ai, meu Deus...


Assustada, Helena indagou solícita:


- Não se sente bem? Quer que eu chame alguém?


Fez menção de erguer-se, mas Constância segurou-lhe o braço:


- Não, minha filha, não precisa. Estou profundamente entristecida. Sei que meu irmão está equivocado e se entrega cada vez mais a um fundo abismo.


Olhando-a com ternura, Helena admoestou:


- A senhora precisa reagir! Desde que Licínio partiu a tristeza instalou-se em seu olhar, em sua voz, em seu coração. É necessário que se reequilibre, minha senhora. Temos muito trabalho na seara de Jesus.


Com os olhos rasos de lágrimas que logo lhe desciam pela face, ela esboçou ligeiro sorriso, dizendo:


- Querida Helena, tem toda a razão. Sei que nossas tarefas são extensas e que muitos dependem de nosso trabalho... Mas os golpes têm sido duros...


Sem responder, Helena segurou firme as mãos de Constância e apertou-as carinhosamente entre as suas. A segunda prosseguiu:


- E agora, mais esse golpe que tanto me entristece... 


Vejo com grande receio as mudanças que Constantino está impondo aos ensinos Cristãos. 

Temo pelo futuro daqueles que terão somente esses ensinos deturpados que começam a tomar consistência em nosso meio; e agora, ainda mais, sancionados pelo próprio imperador... 

E os bispos, os presbíteros, como podem aceitar tamanha invasão do poder romano?

- Acho que até estão contentes... 


- Mas por quê? Não entendo... Inspirada por Angélica, Helena respondeu:

- Muitos haverão de se levantar para lembrar aos cristãos as verdadeiras lições de Jesus. Não se preocupe.


Reconhecendo o tom profético das palavras da serva e amiga, Constância indagou:


- O que está querendo dizer?


- Que não podemos desanimar.


- Mas estão calando Ário e seus seguidores, estão calando a verdade...


- Não importa. Alguns poderão se calar, mas outros se levantarão e a verdade prevalecerá! Temos de confiar em Deus e fazer a nossa parte! A verdade nunca ficará sufocada, por mais que o tentem. Ela prevalecerá!


Com o corpo enfraquecido pelos sucessivos golpes emocionais que sofrerá, Constância acomodou-se no travesseiro e suspirou, depois de breve pausa:


- Ah, minha querida Helena, estou cansada. 


Sinto-me só; tenho apenas você e meu filho; dói-me a saudade de Licínio, assim como me magoam a dis-tância e a indiferença de Constantino; mais ainda, seus desmandos e suas decisões equivocadas com relação ao nosso Mestre. Ele age como se quisesse agradar aos cristãos, mas está traindo Jesus, e não sei por que faz isso...

Não conseguiu prosseguir. Envolvida pela dor, entregou-se a convulsivo pranto. Helena trouxe-lhe água e avisou:


- Vou preparar-lhe um chá para que se acalme, senhora. Não pode continuar a se martirizar assim.


Seu corpo está cada vez mais fraco e temo seriamente pela sua saúde... Agora tente descansar, eu já volto.

Sendo tarde da noite e preocupada com a situação de Constância, a serva logo providenciou a bebida calmante, e sugeriu:


- Tente dormir agora. O chá deverá ajudar, procure descansar. Arrumando as cobertas sobre a cama, voltou-se para a dama da alta sociedade romana e perguntou:


- Quer que eu fique aqui fazendo-lhe companhia?


- Não, querida, estou bem. Vá se deitar. Você tem se dedicado muito e também deve descansar. Não insista, por favor. Eu realmente preciso ficar so-zinha.


Percebendo que seria inútil insistir, Helena foi para seu quarto, ao lado do de Constância, e ajoelhando-se ante o leito suplicou a Jesus ajuda e amparo, entristecida pelos rumos que Constantino imprimia ao movimento dos cristãos. Depois, sentindo-se suavemente confortada, deitou-se e adormeceu. 


Logo seu corpo espiritual despertou e viu Angélica, que a convidou:

- Temos trabalho a fazer, venha. Constância precisa de toda a nossa ajuda. Ambas foram até o quarto da irmã de Constantino, ainda em dificuldade para repousar, com um sono leve e angustiado. 


Estenderam as mãos sobre o seu corpo, e após uma transferência abundante de energia ela se acalmou e adormeceu pesadamente. Logo o corpo espiritual de Constância pairava, em repouso, sobre seu corpo físico. Carinhosamente Angélica a chamou:

- Constância, somos nós, seus amigos, que aqui estamos e precisamos falar-lhe.


Aos poucos, Constância em espírito, ganhou lucidez:


- Não me sinto bem... Estou fraca. Amparando-a, Angélica aconselhou:


- Tome este copo de água e espere um pouco. Deverá auxiliar.


Minutos depois de sorver toda a água, Constância parecia um pouco mais fortalecida; fitando as amigas disse, entre lágrimas:


- É bom vê-las... Estou precisando de ajuda... Enlaçando-a com ternura de mãe, Angélica afirmou:


- Por isso estamos aqui, para ajudá-la. Venha conosco.


- Para onde vamos? Vão me levar embora? Está na hora de deixar o corpo físico?


- Não, querida, ainda não. Tem muito trabalho a fazer e sua presença na Terra é por ora indispensável. Os cristãos precisam que lhes infunda fé e esperança para ajudá-los a não esquecer o belo e simples Evangelho de Jesus. Va-mos buscar auxílio para fortalecê-la na seqüência de sua tarefa.


Segurando Constância pela mão, em alguns minutos estavam diante de um belíssimo vale, cheio de lindas flores, pássaros voando por toda parte e lindos animais correndo de um lado a outro em meio à vegetação. Seguiram por um caminho cercado de árvores frondosas. Mais adiante, surgia uma cidade luminosa, e melodiosa música soava pelo ar. À medida que ouvia a música e sentia as suaves e harmoniosas vibrações do ambiente, Constância sentia-se mais forte. Angélica indagou:


- Sabe onde estamos?


- Não me lembro. Sei que conheço este lugar, ele me é tão familiar... Contudo, não consigo lembrar.


 Só sei que me sinto muito bem aqui.

- Este é o seu lar, Constância.


A dama romana fitou-a, buscando na memória aquilo que Angélica lhe dizia, e por fim sorriu feliz como há muito não fazia.


- E claro! Meu lar... Como poderia esquecer tão abençoada morada espiritual?


Caminharam animadas. Constância, recordando-se cada vez mais de seu lugar de origem, recobrava mais e mais as energias. Chegaram em uma casa simpática, rodeada por lindos jardins. A construção era sóbria e ampla, com varandas circundando-a. Assim que se aproximaram, uma simpática senhora apareceu na porta e saudou:


- Que alegria, Constância chegou!


Foram recebidas na bela residência, cujo interior também era adornado com objetos de arte de suave beleza. Constância reconhecia cada objeto, cada quadro, cada móvel, lembrando-se com clareza de sua antiga casa.


Sentaram-se, acolhidas por amigos devotados. A conversa corria animada quando Ernesto chegou, feliz, e abraçando a visitante falou:


- Que bom que conseguiram trazê-la hoje. Há dias estamos tentando, mas seu estado físico não permitia; foi preciso fortalecê-la primeiro.


Enquanto conversavam, música sublime ecoava pelos ares. Aquele mundo elevado e belo era o lar de origem de Constância. A palestra continuou por longo tempo, e Ernesto ia relembrando a trabalhadora da Terra de seus compromissos e desejos antes de retomar o corpo físico que ora ocupava no planeta. Com a memória aclarada ela disse, ao final:


- Estou envergonhada, Ernesto. Como pude deixar-me abater tanto?


- Não se sinta envergonhada, Constância. O torpor do esquecimento que nos domina no orbe representa grande desafio e acentuado perigo. 


Disso, todos sabemos. Mesmo com seu nível de elevação e consciência, estar mergulhada no corpo denso da Terra envolve riscos. Por isso, estamos aqui para ajudar. Reavivar suas lembranças fez-se imperioso.

Levantando-se, ela disse:


- Agora que me recordo vivamente de tudo, estou pronta para retornar. Mais do que nunca, os compromissos que me levaram ao planeta chamam por mim.


Comovida, ela disse, fitando seus mais doces afetos:


- Agradeço-lhes por não me abandonarem nunca, mesmo nos meus momentos de fraqueza. Muito obrigada. Agora, preciso retornar.


Helena e Angélica acercaram-se dela, e a segunda disse:


- Pois então vamos, que o dia está prestes a raiar na Terra. Abraçando os amigos um a um, Constância se despediu e partiu com as companheiras. Assim que retornaram, ela acomodou-se sobre seu corpo físico. Olhando com carinho aquelas que eram suas irmãs de longas ca-minhadas sobre a Terra em outros tempos, comentou:


- O adensamento da matéria chega a ser doloroso, porém não vou mais fraquejar. Estou aqui para trabalhar e é isso o que vou fazer.


Após abraçar as duas com carinho, ajustou-se melhor ao corpo físico. As outras impuseram-lhe novamente as mãos, envolvendo-a em intensa transfusão de energias. Logo o dia amanheceu e raios de sol entravam pelas venezianas da ampla janela.


Constância despertou, sentou-se na cama e relembrou aquela experiência maravilhosa que poderia ser tomada por um sonho. Então balbuciou:


- É claro que não foi um sonho.


Antes que terminasse, Helena entrou no aposento e disse:


- Como se sente, senhora?


Constância levantou-se e abraçou Helena com ternura, sorrindo ao dizer:


- Ora, minha irmã, não me chame de senhora nunca mais... Sua humildade me comove.


Helena, que também mantinha total lembrança da vivência espiritual que ambas haviam partilhado, sorriu e disse, limpando as lágrimas:


- Como Jesus é bom! Sempre nos envia ajuda...


A partir daí Constância entregou-se ao trabalho pelo Evangelho de maneira incansável. Esforçou-se por esquecer as próprias dores e inquietações e lan-çou-se ao serviço em favor dos necessitados. Sua primeira atitude foi procurar alguns amigos mais próximos e propor-lhes:


- Não me sinto bem na igreja de Tessalônica. Se isso já não acontecia antes, agora não consigo ficar lá dentro. Não reconheço os ensinos de Jesus nas palavras do bispo; elas me soam vazias.


- Sinto da mesma forma - concordou Helena.
- Então vamos começar nossa própria Igreja. 


Olhando-a com estranheza, Juliano indagou:

- Será mesmo o melhor a fazer, mãe? Sem titubear, ela prosseguiu:


- Sim, meu filho. Além do mais, não posso aceitar o fato de que estarmos proibidos de receber as orientações dos nossos irmãos espirituais. 


Isso é de grande importância para podermos saber que decisões tomar nos momentos mais difíceis, ou diante de um grande desafio. Mas estamos proibidos... É lamentável, e precisamos adotar uma atitude firme.

- Mãe, você sabe que, por ordem de Constantino, qualquer um que ensine de modo diferente dos dogmas definidos em Nicéia poderá pagar até com a morte!


- Vamos confiar em Deus e fazer nossa parte. Se isso tiver de ocorrer, é porque é necessário. 


Olhando para Helena, perguntou:

- O que acha, amiga?


- Temos como fazer. Muitos de nossos irmãos aguardam essa oportunidade, pois estão igualmente insatisfeitos com os rumos que a Igreja vem tomando.


- Pois então, está decidido. Vou encontrar um bom lugar e aviso a todos. Não quero mais perder tempo. Em uma semana um pequeno grupo de doze pessoas chegava para a primeira reunião. Recebidos por Helena, foram se acomodando. Eliseu indagou:


- Onde está Constância? Ela não vem?


- Já deve estar chegando. E nos traz uma grata surpresa.


- Que surpresa será essa? - Eliseu estava curioso.


- Eles logo estarão aqui.


- Eles? Então se trata de uma pessoa?


Antes que Helena pudesse responder, Constância apareceu à porta; sorridente, falou enquanto entrava:


- Que a paz de Jesus envolva a todos. Trouxe uma surpresa... Assim que ela entrou, viu-se no vão da porta a figura suave de Ário, que entrou em seguida e também cumprimentou:


- Que a paz de Jesus esteja conosco, irmãos.


Doces emoções envolveram os presentes. Ário cumprimentou um por um, osculando-lhes as mãos com genuína humildade. Depois, sentou-se ao lado de Constância, na frente da sala, diante de todos. 


Ela ergueu-se e disse:

- Meus irmãos, boa noite. É com muita alegria que estamos aqui nesta noite para iniciar uma nova Casa de Jesus. Neste lar nos encontraremos para orar e estudar o Evangelho, bem como compartilhar os desafios da jornada terrena. Vamos também ouvir nossos irmãos espirituais, como temos feito desde que Jesus voltou ao seu lar luminoso nas dimensões mais elevadas. E é aqui que receberemos, ainda, todos aqueles que necessitem de socorro e amparo, sejam de caráter material ou espiritual. Para dar início às nossas modestas atividades, convidamos o bispo Ário para estar conosco. E ele, gentilmente, aceitou. A ele solicitamos, então, que faça a prece de abertura, dando por iniciada nossa reunião...


O bispo Ário, coberto por suaves luzes que desciam sobre ele e depois se expandiam para todo o grupo, pronunciou fervorosa oração, rogando as bênçãos do Mais Alto para aquela tarefa que se iniciava na seara de Jesus. A comoção tomou conta de todos. 


Não tardou e a doce Angélica se materializou entre eles, diante dos olhos dos presentes. Dela emanava intensa luz cumprimentou a todos:

- Meus irmãos amados, nós, do plano espiritual, estamos felizes pela iniciativa a que estão se dedicando. E para nós motivo de grande júbilo. 


Manter acesa sobre a Terra a chama do amor ao próximo, da humildade, da sinceridade de propósitos e do esforço de auto aperfeiçoamento é o caminho para preservarmos a pureza dos ensinos do Evangelho do Mestre Jesus. Abracem este propósito com determinação, pois muitos serão os obstáculos que enfrentarão. Não desanimem, estaremos sempre com vocês. Várias outras entidades espirituais podiam ser vistas pelos presentes, emitindo muita luz, que agora banhava toda a pequena sala onde se abrigava o grupo. 

Os trabalhadores do espaço, vindos em nome de Jesus, impunham as mãos sobre os encarnados e lhes infundiam energias físicas e perispirituais, enchendo-os de esperança e confiança. Depois, foram desaparecendo, um a um. Por fim, Angélica se despediu:

- Permaneçam ligados aos ensinamentos de Jesus, não apenas conversando sobre eles, mas, como fiéis servidores do Mestre, seguindo seus exemplos na vida de cada dia. Fiquem em paz.


Depois que Angélica desmaterializou-se, Constância e Ário continuavam a vê-la, agora no plano espiritual. Ele fez sinal para que Constância assumisse novamente, mas ela, dominada pela emoção, pediu:


- Não posso... Poderia conduzir a reunião de hoje, for favor? Ário levantou-se e falou, sob forte envolvimento espiritual, das belezas do mundo espiritual evoluído, e da maravilha que representava para todos os homens a possibilidade de estarem em constante contato com os espíritos, para serem por eles orientados e dirigidos. Lembrou, ainda, que outros tipos de espíritos rondam os homens e que estar com Jesus sempre é fundamental para a defesa contra sua influência. Concluiu a bela explanação lembrando as palavras de Jesus:


- "Quem não é por nós, é contra nós." Sigamos Jesus com todo o nosso coração. Estejamos dispostos a viver seus ensinos e a seguir-lhe os exemplos. Ele estará sempre conosco, conforme prometeu, "até a consumação dos séculos".


Depois de encerrada a reunião, permaneceram ainda longo tempo em elevada conversação, escutando de Ário as informações sobre os últimos acontecimentos de Nicéia e a iminente realidade de seu exílio. Ele os orientou sobre diversas atividades que passariam a executar na Casa e sugeriu:


- Façam desta mais uma Casa do Caminho e recebam todos os necessitados na luta terrena.


Antes de sair, entregou vários de seus textos a Constância, dizendo:


- Eis aqui os pergaminhos que me solicitou. São diversos textos que grafei sobre o que tenho aprendido e refletido sobre o Evangelho, sobre Jesus e sobre a natureza do Mestre. Tenham cuidado, pois Constantino proibiu que sejam lidos.


Tenho apenas esta cópia e mais uma, que está devidamente guardada. Façam bom uso.

Segurando os textos com cuidado, Constância respondeu:


- Vamos cuidar muito bem, querido amigo. Muito obrigada pela sua presença entre nós nesta noite e pelos seus ensinamentos.


Olhando-a com ternura, ele se dirigiu a todos: 


- Queridos irmãos, não se desviem da simplicidade do Evangelho. Meus dias na Terra terminarão em breve. Fortaleçam-se no estudo, na oração e no trabalho em favor do bem comum. Amem-se uns aos outros e ensinem o Evangelho com o exemplo de suas vidas.

Despediram-se com um abraço, retornando todos aos seus lares. A pequena casa brilhava com grande intensidade, e embora não pudesse ser registrado pelos homens da Terra, seu brilho era visível do espaço. Da colônia espiritual em que se encontrava, Ernesto vibrou de alegria:


- Mais um ponto de luz sobre a Terra! Graças a Deus! Enquanto tantas luzes se apagam rapidamente, algumas se acendem e outras lutam por brilhar apesar dos desmandos eclesiásticos. Que Jesus nos abençoe e ajude!

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