domingo, 17 de setembro de 2017

Capítulo 16 - Depois Da Discussão

Depois da discussão, pai e filho não se falaram mais. Amargurado, Crispus estava decidido a não participar das festividades em Roma. No entanto, Marco, sabedor de sua intenção, procurou-o em segredo e argumentou:

- Acho um erro você não ir. Será um momento importante e marcante para seu pai. Mesmo que agora esteja magoado com ele, se for, encontrarão um meio de resolver o problema. Se não for, ele poderá interpretar de modo errado e a distância entre vocês se aprofundará ainda mais.


O rapaz comentou, aborrecido:

- Não sei, Marco. Não posso compreender meu pai. 


O que aconteceu com ele?

Marco queria contar ao rapaz das suspeitas que o pai acalentava no coração; todavia, como prometera ao imperador que não o faria, limitou-se a de-fender Constantino. 


-Tente aceitar seu pai como é: um general que já realizou muito pelo império e que merece o respeito de todos nós. Se um dia você for o imperador, desejará o mesmo de seus servidores e até de seus filhos.

Crispus não respondeu, mas as palavras de Marco calaram-lhe fundo. Marco despediu-se e saiu.


- Pense bem no que eu lhe disse. Crispus balançou a cabeça e respondeu:


- Vou pensar.

A cidade estava enfeitada para receber o grande e único imperador Romano. Constantino era aclamado pelo povo, e especialmente os cristãos de Roma o aguardavam com verdadeiro sentimento de gratidão. Ele representava a libertação para eles:

 libertação do medo, da insegurança e da dor. Era a figura que restituíra a tranqüilidade aos lares que tinham o Cristianismo como religião. Devolvera a dignidade e a paz aos seguidores de Cristo e ao clero em geral. Todos o aclamavam como o grande César.

Os festejos transcorriam conforme esperado. Muitas homenagens e apresentações artísticas aconteciam em diversos lugares. Quanto a Constantino, embora usufruísse com entusiasmo aquelas demonstrações de respeito e até de adoração, sentia profunda insatisfação íntima. Licínio não o abandonara e o perturbava dia e noite, insuflando-o contra o filho.


Naquela noite o ar estava perfumado com o aroma dos pratos preparados em tributo ao imperador. 


Comidas exóticas de regiões distantes e as iguarias prediletas do poderoso César também foram oferecidas. Belas mulheres enfeitavam a festa, usando suas mais lindas vestes. Constantino entrou no grande salão onde todos o aguardavam para o banquete mais importante que marcaria as comemorações. Sentou-se ao lado da esposa, que logo indagou:

- Está tudo a seu contento, meu senhor?


- Sim, tudo perfeito.


Ela sorriu satisfeita e comentou:


- Pena que Crispus insista em não o prestigiar. 


Todas as autoridades romanas estão aqui, e inclusive os imperadores das regiões vizinhas nos enviaram seus representantes ou vieram pessoalmente. Todos reconhecem seu poderio, menos...

- Cale-se, Fausta. Estou ficando cansado de suas provocações.


- Minhas provocações?!


- Já basta!


Ela ia responder, mas observou que Crispus acabava de entrar no grande salão e imediatamente foi notado pelo pai e por aqueles que já sabiam do desentendimento entre os dois. O rapaz se acomodou junto de mais alguns homens, e Fausta aproveitou para dizer:


- Eu ficaria atenta, se fosse o senhor. Ele está com seus homens aqui e outros devem estar lá fora. De certo planeja alguma coisa...


Dessa fez foi Marco quem pediu que ela parasse:


- Agora chega, senhora, deixe que o imperador aproveite a noite especial em sua homenagem.



Interrompida sem esperar, ela se calou, evidentemente contrariada. Ver Crispus adentrar o salão a confundiu e incomodou. Não sabia o que fazer.


Era tarde quando o imperador despediu-se de seus convidados e se retirou. Antes, porém, pediu a Marco:


- Quero falar com Crispus. Avise-o que me encontre imediatamente para uma palestra a sós.


Marco argumentou:


- É tarde, senhor; todos estão muito cansados. Não seria melhor promovermos esse encontro amanhã?


- Não. Agora.


A voz de Constantino não permitia nenhuma contra-argumentação e Marco obedeceu. Localizou Crispus e logo os dois estavam frente a frente. O rapaz disse, em tom sincero:


- Vim para homenageá-lo, meu pai. Apesar de nossas diferenças, e antes de tudo, você é meu imperador.


- Não seja cínico, rapaz. Sei que me deseja ver pelas costas.


- Do que está falando?


- De seu desejo de ocupar meu lugar.


- Quero ser seu sucessor, e isso nunca escondi, mas quando chegar a hora.


- Que deseja ver abreviada o mais possível, não é mesmo?


- O que está insinuando, meu pai?


- Que quer ver-me morto. Confesse!


- Isso é uma calúnia das mais absurdas! Quem foi que lhe... Completamente dominado por Licínio, Constantino agarrou o filho pelo pescoço e insistia:


- Confesse, confesse seu desejo de matar-me! 


Assustado, o rapaz pedia:

- Pare, pai, por favor! O que está fazendo?


E Constantino, sem medir a força que colocava nos braços, continuava:


- Vamos, confesse seu desejo descontrolado de usurpar-me o poder. Eu sei de tudo, Fausta abriu-me os olhos.


-Pai... Por favor...


A voz de Crispus já quase não lhe saía da garganta.


 - Ninguém me tirará o que conquistei, está entendendo? Este império é meu! Eu o conquistei pedaço por pedaço e ele me pertence! Só a mim...

Sem conseguir respirar, o rapaz desfalecia pouco a pouco e disse, num esforço derradeiro:


- Ela... o ... envenenou... contra... mim...


Licínio, às gargalhadas, observava o pai consumar o ato homicida. Crispus desfaleceu e Constantino abandonou-o ao chão, ao mesmo tempo em que o olhava aterrado pelo que acabara de fazer. As últimas palavras do filho lhe suscitaram de imediato à lembrança a conversa que tivera com Fausta antes da viagem à Pérsia. Teria sido enganado por ela? 


Observou o filho sem respirar e gritou, sentindo profunda dor no peito:

- O que foi que eu fiz?!


Marco entrou depressa na sala, constatando o que ocorrera.


Rapidamente tirou o imperador dali e levou-o para seus aposentos. Constantino estava alterado e Marco tentava acalmá-lo:


- Não foi sua culpa, não é mesmo? 


Ele tentava agredi-lo, não foi assim?

- Claro, foi isso. Foi assim que aconteceu.


- Pois então, acalme-se. O senhor é o imperador de Roma! Constantino sentou-se na cama, respirou fundo por três vezes, depois repetiu:


- Sim, eu sou o imperador de Roma. Eu sou o imperador. Eu sou...


Logo outros pediam notícia sobre o ocorrido e Marco limitou-se a dizer que o imperador se defendera da agressão do filho, que queria usurpar-lhe o trono.


Enquanto tentava acalmar-se, Constantino escutava com nitidez a derradeira afirmação do filho - "ela o envenenou contra mim..." -, que se repetia sem cessar. Sentia-se duplamente traído, pela esposa e por si mesmo, sem ter forças para reagir. Buscou algum consolo na bebida, mas antes que as festividades terminassem procurou por Fausta e uma serva lhe informou, desviando os olhos:


- Está nas termas, senhor.


Constantino a encontrou cercada por suas serviçais e pediu que os deixassem a sós.


- Que prazer vê-lo, meu senhor.


- O que você fez, Fausta?


- Como assim?


- Por que me colocou contra meu filho?


- Ora, senhor, apenas quis proteger-lhe os interesses.


- Os seus interesses, você quer dizer, não é mesmo?


 Assustada com a expressão do olhar de Constantino, ela começou a gritar: 

- Claro que não, meu senhor, dos seus...

Antes que pudesse dizer mais alguma coisa ele a afundou na banheira, tirando-lhe a vida.


Licínio, que a tudo assistia, gargalhava satisfeito, quando Núbio apareceu, indagando:


- Está satisfeito? Executou sua vingança?


- Ainda não. Este homem não sofreu o suficiente. 


Tem de morrer também; vou acabar com ele...

- Não. Sua missão acabou.


- Como assim?


- Constantino serve agora aos nossos interesses. O Cristianismo está conspurcado e se afasta mais e mais de suas raízes. Constantino vai continuar nos dando seu apoio. E útil demais para agirmos contra ele agora. Mas não se preocupe. Os dias dele na Terra findarão, mais cedo ou mais tarde, e você poderá ter sua vingança completa quando ele também estiver aqui.


- Como saberei que não me enganam?


- Você é nosso servo, Licínio, e fará o que estou ordenando. Utilizando a força mental, Núbio provocou em Licínio fortes dores no peito, no lugar onde fora atacado por Marco. E ele, gritando, suplicou:


- Por favor, pare com isso!


- Vai obedecer, ou o que terei de fazer?


- Obedecerei.


-Então ande na linha comigo. Virá a hora de consumar sua vingança. Quando Constantino chegar a este lado, você estará esperando...

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