quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Capítulo 57 - Lawrence Balançava

Lawrence balançava o copo para misturar o gelo e a bebida. Sentado em cadeira confortável, escutava a conversa do grupo. Susan apareceu à porta e Bernard o olhou, indagando:

- Aquela não é sua assistente?


Lawrence esticou ligeiramente o pescoço, procurando identificar a pessoa de quem Bernard falava, e surpreendeu-se com a beleza da jovem num elegante traje preto, salpicado de pedras e strass que cintilavam. Ele ergueu o braço e a moça, que também o procurava, saudou-o a distância. 


Depois, entregando o casaco e a bolsa ao serviçal que a recebera à porta, entrou e foi direto ao en-contro do chefe, que confirmou:

- E minha assistente, sim. Essa jovem tem futuro... E competente.


Com olhar malicioso, Bernard comentou:


- Gostaria que prestasse alguns favores a mim...


- Ela está interessada em uma carreira, Bernard, acima de qualquer outra coisa.


- Por isso mesmo. Posso ajudá-la a crescer rapidamente.


Os dois silenciaram quando ela se aproximou.


Lawrence levantou-se para recebê-la.

- Boa noite, Susan.


- Boa noite, Lawrence


Num relance de olhos sobre o grupo, ela emendou:


- Senhores, boa noite.


- Deixe-me apresentá-la a algumas das pessoas mais poderosas dos Estados Unidos.


Susan sorriu, satisfeita. Pós-graduada por Harvard em relações internacionais, adorava aquele ambiente de poder e competição. Foi cumprimentando um a um à medida que Lawrence os apresentava. 


- Doutor Simon, presidente da Saxo Farmacêutica.

- Muito prazer, doutor, tenho ouvido muito a seu respeito desde os tempos da faculdade. Sem dúvida é uma honra trabalhar para o senhor.


Fitando a jovem de alto a baixo, Simon limitou-se a responder:


- Obrigado. Lawrence prosseguiu:


- Senador Duncan, senador Oswald, senador Bryan, senadora Julian e juíza Elizabeth Brengen.


A jovem, cheia de contentamento, tecia comentários pessoais a cada um que cumprimentava; demonstrava extraordinária memória sobre fatos relevantes da vida deles, o que lhe garantiu, de imediato, uma boa acolhida do seleto grupo. Por fim, Lawrence apresentou:


- E este é Bernard Nutting, presidente da FDA.


- Como vai?


- Muito bem.


Lawrence comentou baixinho com a jovem, enquanto se sentavam:


- Você está especialmente atraente hoje.


- Obrigada, chefe. - ela sorria ao agradecer. - Você pediu que eu caprichasse.


- E você não me desapontou. Quanto custou esse vestido?


- Uma fortuna. Mas não se preocupe, coloquei na conta do escritório.


Fitando-a sério, Lawrence não teve tempo de responder. Simon deu seqüência ao assunto que conversavam antes da chegada de Susan:


- O que você acha, Lawrence?


- Se temos de realizar os testes em humanos, por que não nos países pobres? Assim, a miserável vida deles terá algum sentido.


As gargalhadas foram quase em uníssono. Depois, Simon comentou, sorvendo dois goles de sua bebida:


- Por isso não abro mão de trabalhar com você, Lawrence. E objetivo, direto e prático. Não usa meias palavras.


- Eu não conheço meias palavras.


- Desculpem se é estupidez - falou Susan -, mas os governos desses países pobres permitiram esse tipo de ação?


Dessa vez foi o senador Duncan quem respondeu:


- Os governos dos países pobres estão muito mais preocupados com a reeleição e com suas polpudas contas estrangeiras. Aceitam boas negociações - entenda-se altas somas - e autorizam nossas atividades sem maiores constrangimentos. Acresce que temos filiais em muitos desses países, o que nos facilita ainda mais o trabalho.


Susan estava fascinada. - Gosto disso! Agora, e se a mídia desses países descobrir... Digo, se algum repórter bisbilhoteiro descobrir e tornar públicas nossas atividades?


A juíza Elizabeth interveio:


- Minha cara, você não está falando sério.
- Por quê?


- A mídia está a nosso serviço praticamente no mundo inteiro.


- É verdade, até mesmo aqui, em nosso país. O senador Bryan concordou:


- A mídia é nossa aliada mais ferrenha, levando ao povo apenas aquilo que nos interessa mostrar. Ela, mais do que todos, está interessada na audiência, ou seja, no dinheiro.


- Vejo que os senhores controlam tudo.


- Exatamente, Susan - afirmou Lawrence. - Não exagerei ao dizer que você está diante de um dos grupos mais poderosos do mundo...


Desejando apimentar ainda mais a conversa, por simples prazer e deleite próprio, Susan continuou:


- E se aparecer algum idealista, no meio dos profissionais da imprensa, que se interesse realmente pelas pessoas?


- Minha cara, todos têm seu preço. As emissoras estão à venda, da mesma forma que as pessoas.


- E se alguém fincar pé e não ceder? - ela insistiu.
- Isso não acontece.


- E se acontecer?


Parecendo um tanto entediada, Julian falou:


- Ora, dando dois ou três telefonemas, ou mesmo dois cliques no computador, armamos um belo circo, derrubando nosso opositor do picadeiro sem rede para segurá-lo. É muito simples...


Pedindo mais bebida ao garçom, a jovem exibiu largo sorriso:


- Apesar de trabalhar com Lawrence há algum tempo e ouvir falar de vocês diversas vezes, estou fascinada por conhecê-los pessoalmente.


A conversa estendeu-se noite adentro. Mais tarde, falavam sobre a fabulosa e lucrativa indústria da doença. Simon garantia:


- Tenho certeza de que nossas ações continuarão crescendo. Vocês podem continuar comprando... 


Sei que todos já têm ações da Saxo... Comprem mais, pois vamos crescer muito e rapidamente.

- Novos medicamentos?


- Isso mesmo.


Depois de muitos copos de bebida e do consumo de outros tipos de drogas, o grupo - que participava de uma festa privada e exclusiva da altíssima socie-dade de Washington - estava completamente descontraído. Susan perguntou: - E todos esses medicamentos novos a que se refere têm os maravilhosos efeitos colaterais?


- Sem dúvida, todos eles. Manteremos nossos pacientes doentes, porém vi-vos, por muito tempo...


- E quanto ao aparecimento de novas doenças? - indagou Julian.


- Temos uma série delas em nosso portfolio, preparadas para serem lançadas ao público, seguindo cuidadoso planejamento. Por exemplo, a maravilhosa síndrome do pânico. O que acham?


Depois de uma gargalhada geral, Simon comentou:


- Essa já nos rende milhões, e vai render ainda mais.


- Como fazem para induzir as pessoas com tanta facilidade? - a pergunta foi de Susan.


- Ora, o povo está adormecido, em profundo torpor.


Caminha como gado, ora para um lado, ora para outro... e ora para o matadouro. Damos-lhe as cele-bridades e a televisão para que se distraia e continue a dormir. Oferecemos-lhe o sonho da riqueza e do poder, do sucesso a todo custo, e ele o abraça como se fosse próprio. Não é complicado.
Depois de curta pausa, o senador Oswald tomou a palavra.


- O povo deve ter tão-só o necessário para que possa ser-nos útil. Deve trabalhar muito, sem ter tempo para mais nada. Pensar, jamais! A televisão ajuda a manter a mente do povo sob nosso controle.


 Assim também a alimentação. Enquanto as pessoas estiverem à procura do ouro, como da cenoura amarrada diante do burro, estarão sob nosso controle. Consumirão o que dissermos que devem consumir, vestirão o que dissermos que devem vestir, comerão o que dissermos que devem comer. 

E nos trarão os impostos, o dinheiro que queremos.

Até mesmo para Susan, que apreciava os jogos de poder e o ambiente de riqueza e ostentação, aquela conversa se tornara opressiva. Ficou totalmente chocada pela absoluta falta de consideração com que aqueles homens falavam sobre os seres humanos em geral. Sabia que eles realmente pensavam daquela forma, e ainda assim os admirava. Ao final, quando se despediu do grupo e foi levada por Lawrence até o elevador, ele quis saber:


- Aproveitou bem a noite?


- O melhor que pude.


Olhando a jovem da cabeça aos pés, o executivo comentou, desapontado:


- Pensei que fosse ficar mais entusiasmada. Afinal, era tudo o que você queria, não era? - Sem dúvida, Lawrence. Só posso agradecer-lhe por me proporcionar esse verdadeiro prazer... É que, tenho de confessar, fiquei espantada com o modo descarado como manipulam as pessoas. É impressionante.


- Ora, você já sabia disso, não há novidade...


- Eu sei, mas ouvi-los falar declaradamente e com entusiasmo aquilo que eu já sabia foi, digamos... chocante.


- Ora, senhorita, o que esperava? Madre Tereza? 


Sorrindo insinuante, Susan respondeu:

- Não seja bobo! Você me conhece... Abraçando-o e beijando-o no pescoço, ela perguntou:


- Vem comigo para meu apartamento?


- Hoje não, querida. Vou levar a senadora Julian para casa.


- E o marido?


Lawrence apontou o marido da senadora estirado em um sofá, num canto isolado da sala, inconsciente, entre os braços de duas mulheres seminuas.


- Está muito ocupado.


- Então, espero por você mais tarde.


- Não, hoje não. Amanhã nos vemos no escritório.
- Então, até amanhã.


Em um canto da sala, três entidades espirituais, que prestavam auxílio na casa espírita que Lawrence visitara, observavam o ambiente degradante e pe-sado. Em agradecimento ao apoio financeiro que ele vinha dando à instituição, aquelas entidades estavam a serviço de Jesus e acompanhavam o jovem que, antes de reencarnar, estivera por séculos subordinado a Núbio. Um deles comentou:


- Como é possível que homens como esses tenham tamanho poder e influência sobre os demais? Por que Deus permite tal situação?


- Todas as pessoas têm o livre-arbítrio e o direito de fazer suas escolhas. Dormem e se deixam dominar porque é mais fácil. Despertar é sempre penoso, trabalhoso e cansativo. Enganam-se e deixam-se enganar.


- Quem são essas entidades perversas?


- Estão sob as ordens de entidades espirituais que desejam deter o progresso da humanidade, impedir o homem de progredir.


- E conseguem seu intento.


- Atrasam, porém não impedem.


- No entanto, causam tremendos entraves.


- Sim, sem dúvida. São espíritos perversos que assim se portavam no plano espiritual e agora o fazem na Terra. - E por que Deus permite que retornem ao planeta, prejudicando tantas vidas?


- Se não for pelo amor, será pela dor. Se o homem preferir despertar por meio do sofrimento, será respeitado, já que este faz parte de sua evolução. O Pai sempre nos convida pelo amor, mas seu chamado doce e suave raramente é atendido. Então vem a dor, que representa simplesmente a reação do Universo às ações contrárias à legislação Divina. 


Sofremos porque transgredimos as leis de Deus. É imperioso o reajuste; enquanto não nos alinhamos ao Criador, sofremos.

- E essas entidades? O que fazem na Terra?


- Simon, Oswald e Julian não reencarnavam há muitos séculos. Por todo esse tempo fugiram do corpo físico, atuando espiritualmente sobre os homens para tê-los sob controle. Entretanto, tendo em vista o momento de transição planetária, foram constrangidos à reencarnação, como sua última oportunidade na Terra.


- Eles não permanecerão no orbe terrestre?


- É provável que não. Somente se conseguirem mudar; e, pelo que presenciamos hoje aqui, isso será muito difícil.


O outro deplorou, num suspiro.


- Realmente, só por milagre.


- Os milagres são trazidos, muitas vezes, pelos braços do sofrimento. Observe com atenção o corpo de Simon.


Depois de cuidadosa varredura, o companheiro disse:


- Percebe-se a deterioração em seu cérebro.


- Em breve deixará a Terra, para não mais voltar.
- Nunca mais?


- Um dia regressará. Quando, dependerá apenas dele.

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