sábado, 16 de setembro de 2017

Capítulo 33 - Na Colônia Espiritual

Na colônia Espiritual  próxima à crosta, sentados em semicírculo em ampla e iluminada sala, reuniam-se em oração Elvira, Constância, Angélica, Helena, Henrique e mais quatro espíritos. Silenciosos, pediam pela libertação de Constantino, ainda escravizado por Núbio e outras entidades que o serviam. Naquela noite realizavam vibrações especiais destinadas àquele irmão que também viera de Capela e que permanecia na escuridão do orgulho e do egoísmo, por não conseguir deixar a luz de Jesus brilhar em sua alma.

O grupo intercedia em favor daquele irmão, que espontaneamente se entregara às forças do mal e agora era por elas subjugado. Para ele rogavam a misericórdia e o socorro do Mestre. Constância, enquanto orava, emocionada, deixava que grossas lágrimas lhe rolassem pela face. Ao final das vibrações receberam a manifestação de uma entidade de grande desenvolvimento moral, res-ponsável por equipes de resgate daqueles que se perdiam nas trevas. O elevado espírito lhes falou com amor.


- Venho, em resposta às suas preces, avisar-lhes que uma equipe de socorristas de nosso grupo descerá ao orbe da Terra para o resgate de diversos espí-ritos aprisionados pelos nossos irmãos infelizes. 


Constantino está entre eles. Com a graça de Deus, logo será assistido em um pronto-socorro nas regiões densas do plano espiritual do planeta.

Com muita emoção, Constância ajoelhou-se em mudo agradecimento. O elevado instrutor avisou:


- Esteja preparada, minha irmã, ele logo será resgatado. Deverá, então, ir ao seu encontro, no hospital, onde poderá colaborar com sua recuperação.


Sem hesitar, a amorosa Constância respondeu:


- Estarei pronta, senhor.


Depois de outros esclarecimentos, o visitante espiritual desapareceu, deixando no ambiente suave perfume e intensa energia de amor. Elvira encerrou a tarefa com sentida prece de gratidão. Muito feliz, logo depois comentou, em conversa descontraída, abraçando Constância: 


- Que alegria, não é, minha querida irmã?

- Sim, alegria indizível. Estou feliz demais pela possibilidade de ajudar Constantino. Desde Capela nos conhecemos e temos vivido diversas encarna-ções como parentes próximos, estabelecendo vigoroso elo de amizade e ternura. No entanto, não foi sempre assim. Quando deixamos Capela, meu ódio por ele era imenso. Ferdinando havia arquitetado o aborto de meus filhos gêmeos, e quando realizou seu intento eu não suportei e desencarnei junto com meus bebês. Eles logo foram socorridos e levados a uma colônia espiritual. Por outro lado, meu ódio era tão grande que atormentei Ferdinando sem descanso. 


Assim que chegamos ao plano espiritual da Terra, procurei por ele e o encontrei. A situação espiritual dele me facilitava atingi-lo com meu ódio. Por muito tempo nos perturbamos mutuamente, ora nos alternando no plano espiritual, ora ambos encarnados, e foram experiências muito dolorosas. 

Finalmente, o amor de Deus me alcançou e, ainda como hebreia, comecei a me preparar para receber Jesus e servi-lo, obedecendo a seus ensinos libertadores. Por ele fui enfim liberta dos pesados aguilhões do ódio e do orgulho. Mas com Ferdinando foi mais difícil. 

Quando encarnou como Constantino ele sentia que estava pronto para servir a Jesus. Sua grande evolução intelectual e seus conhecimentos o capacitavam para fazer frente à pesada tarefa que se propôs realizar em favor da humanidade: apoiar o Cristianismo primitivo, ajudando os Cristãos a se fortalecerem e se estruturarem, preparando-os para crescer e tirar os homens da escuridão. Entretanto, como todos sabem, ele sucumbiu. O fato de estar preparado não foi suficiente. Ele não conseguiu dominar-se a si mesmo, e fracassou.

A bela mulher fez longa pausa antes de concluir, limpando as lágrimas:


- Estou muito feliz por saber que, em breve, ele será resgatado. Que Jesus o ampare e abençoe.


Alegremente apoiada pelo amoroso grupo, seguiram em animada conversa em torno das tarefas de auxilio a que se dedicavam. Naquele mesmo instante, Núbio, que estava ao lado de Sigismundo e sentiu as emanações amorosas de Constância e do grupo que a apoiava, resmungou, irritado:


- Estão a me cercar com essas vibrações irritantes. 


Mas não me impedirão de destruir Huss, bem como de rechaçar qualquer tentativa de reduzir meu poder sobre os homens...

Com seus planos em andamento e a ponto de se concretizarem, Núbio, interessado em acompanhar cada detalhe pessoalmente, afastara-se de Constan-tino. Algumas noites mais tarde, um grupo de espíritos entrava nas dependências onde estava preso aquele que fora imperador romano. Eram os socorristas, que, adensando sua forma espiritual a fim de se assemelharem aos algozes, logo o localizaram; em rápida operação o libertaram e o levaram para o pronto-socorro, junto com outros espíritos recolhidos na mesma expedição, sendo todos acomodados em ampla enfermaria e recebendo medicamentos e tratamento adequado a cada situação. Constância, que ali os aguardava, comoveu-se ao ver o estado em que se encontrava Constantino e se uniu àqueles que o haviam resgatado, para ajudá-los com ele e também com os demais. Depois de árduo trabalho, encontrou Angélica, que indagou:


- Como ele está?


- Agora sedado, em profundo sono; vai precisar de bastante tempo para recobrar a consciência. Deverá reencarnar logo.


- Tão depressa?


- Sim, será a melhor maneira de escondê-lo de Núbio e de auxiliá-lo a recuperar a consciência.


Será enviado para a Terra, em condição de demência, e esperamos que a família consiga suportá-lo. O casal está preparado para gerar a criança e creio que Constantino será levado amanhã mesmo.

- Não seria melhor deixá-lo aqui por mais algum tempo?


- No seu estado atual, ainda sob forte influência de Núbio, este seria capaz de fazê-lo fugir daqui e ir ao seu encontro, na primeira oportunidade. O melhor para ele, agora, será regressar à Terra o quanto antes. Ficará imóvel, sobre uma cama, sem poder falar ou se movimentar. Assim, aprisionado pelas condições materiais, será mais difícil de ser encontrado. Poderemos ajudá-lo, durante o sono, e prepará-lo para regressar ao nosso plano em melhores condições.


- E por quanto tempo ficará na Terra?


- Creio que não mais do que dezoito anos. E uma abençoada oportunidade que ele terá, graças a Deus.


Angélica abraçou a amiga e disse:


- Que Jesus dê a ele muita força!


- Que assim seja.

Na manhã seguinte, em Husinic, Jan Huss recebeu uma intimação de Sigismundo, que exigia sua presença no Concílio de Constança. O rei esclarecia que seu objetivo com esse concilio era a pacificação religiosa da Boêmia e que, pela influência que Jan exercia sobre o clero e sobre o povo, sua presença seria fundamental.


Com a permissão da espiritualidade que o assistia, Jan Huss retornou a Praga e encontrou-se com o rei.


Depois de longa conversa, durante a qual pro-curou, diplomaticamente, persuadir Jan a comparecer ao concilio, Sigismundo ofereceu seu último argumento:

- Eu lhe garantirei proteção para entrar e sair de Constança em segurança. Erguendo-se, caminhou até a mesa; tomou a pena, escreveu uma ordem e, depois de selá-la com o anel real, entregou-a a Jan:


- Este é um salvo-conduto que lhe permitirá caminhar seguro por Constança. Tem minha palavra de que não será molestado e sua vida não correrá nenhum risco.


Jan pegou a ordem, pensou por alguns instantes e respondeu:


- Está bem, comparecerei ao concilio, dando minha contribuição para que possamos esclarecer as questões de conflito e buscar alternativas para que a situação religiosa da Boêmia seja resolvida. Meu maior interesse é auxiliar a Igreja a retomar seu lugar na defesa dos reais interesses do Evangelho de Jesus.


O rei, que fitava o padre e o ouvia atento, afirmou ao despedir-se:


- Sua presença será importante. Em breve nos veremos. Antes de retornar a Husinic, Huss esteve com Jerônimo, seu discípulo e seguidor. Este comentou:


- Não gosto da idéia de você participar desse concilia. Parece-me uma armadilha ardilosa. Não confio em Sigismundo.


Jan refletiu um pouco e então concordou:


- Também não confio nele. Sei que suas intenções são duvidosas. No entanto, sinto que preciso comparecer e defender os ideais que abraçamos. 


Se um pequeno grupo que seja, dos que ali estiverem, for tocado pela maneira como pensamos, teremos congregado novos defensores da reforma na Igreja.

Preciso aproveitar essa oportunidade para falar aos seus altos níveis hierárquicos, sendo tão-somente um porta-voz do alerta de Deus para que mudem o rumo dos fatos.

Tocando o ombro de seu mestre, Jerônimo opinou, preocupado:


- Estará pondo a própria vida em risco...


- Eu sei, meu amigo... Mas que valor tem a vida se não a colocamos a serviço daquele que nos criou? 


Devo aproveitar a oportunidade de falar aos qua-tro cantos, em alta voz, os princípios esquecidos pelos nossos irmãos, que, como se dormissem, estão dominados por uma força estranha que os aprisiona a alma e o coração, impedindo-os de enxergar, de compreender? 

Ou é preferível esconder-me e esperar até que me prendam e façam o que quiserem? E não tenha dúvida de que farão isso, caso decidam. 

Não! Minha vida terá mais valor se for empregada em algo de um significado maior e mais útil.

Depois de breve pausa, prosseguiu, inspirado por Angélica e Henrique, que o assistiam:


-Além do mais, não estarei sozinho. Temos sempre o amparo do Senhor e de seus anjos. Deus estará comigo. Lembra-se da passagem das escrituras sagradas em que Eliseu pede a Deus que abra os olhos de seu servo para que veja o exército espiritual que os acompanha?18


Jerônimo, relembrando o texto, o citou:


- E Eliseu orou, e disse: Ó senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do moço, e ele viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e canos de fogo em redor de Eliseu. E uma belíssima e reconfortante passagem do Antigo Testamento.


- Pois é isso. Estarei em companhia de Deus e de seus enviados. Eles haverão de me orientar e me guiar. Posso senti-los agora mesmo, aqui, junto de nós.


Abraçando-o fraternalmente, Jerônimo pediu:


- Deixe-me ir com você. Serei seu defensor em tudo o que me for possível.


Alegre pela sugestão, Huss apenas ressalvou:


- Deve ter plena certeza do que está fazendo, pois ao me acompanhar poderá igualmente se arriscar.


- Não posso deixar de partilhar sua fé e seus ideais, que igualmente são meus. Como acabou de dizer, que melhor maneira de defendê-los do que colo-cando a própria vida a serviço deles?


- Assim sendo, aceito sua prestimosa companhia, que me fará grande bem.


- Espere apenas alguns instantes que já retorno com o necessário para a viagem.


Logo depois, ambos estavam a caminho de Constança.

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