segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Capítulo 12 - Constantino Se Preparava

Constantino se preparava para o encontro que teria com os principais bispos cristãos. Apressado, estava com dois servos à sua volta quando Fausta entrou no quarto, dizendo:

- Bom dia, meu imperador. 


Ligeiramente contrariado, respondeu:

- Bom dia. O que deseja, Fausta?


- Pedi permissão para vê-lo ontem, mas como não me respondeu vim ao seu encontro assim mesmo. 


Há dias não nos vemos. Temos muito que conver-sar, meu senhor.

- Hoje não, Fausta. Tenho compromisso importante com seleto corpo de líderes cristãos. Amanhã, quem sabe? Façamos melhor: assim que tiver algum tempo livre, eu aviso.


A mulher sentiu o sangue subir e queimar-lhe o rosto, à feição de um fogaréu que se acendesse próximo à pele; procurando manter o controle, disse:


- Já faz tempo que tendo tentado conversar a sós com você e nunca está disponível, exceto...


Constantino apenas fitou-a nos olhos, sem responder. Ela ia prosseguir quando Marco entrou informando:


- Todos já chegaram e o aguardam no grande salão.


O imperador levantou-se de pronto saiu respondendo:


- Ótimo. Vamos, então.


Ao passar por Fausta, limitou-se a dizer:


- Mando avisar assim que pudermos conversar.


Quando ele deixou a sala, Fausta esmurrou a mesa de madeira e lançou um vaso à parede; não satisfeita, arremessou também uma cadeira, quebrando uma das pernas. Em seguida, saiu como a pensar em voz alta:


- Ele nunca tem tempo para mim. Estou cansada disso. Nem eu nem meus filhos temos recebido atenção. Nenhuma! Isso não está certo... Os filhos precisam ficar com o pai...


Constantino entrou no grande salão e ocupou o trono. Durante horas escutou atentamente as argumentações dos bispos cristãos mais intransigentes e dos que seguiam as orientações de Ario4, provenientes de diversas regiões do império. 


Esforçava-se por entender o ponto fundamental da grande divergência que se instalara no clero de todo o império havia quase seis anos; uma questão que se agravava mais e mais, promovendo uma cisão entre os bispos e seus seguidores, começando a despertar o interesse do povo. A questão ariana tornou-se uma disputa teológica que agitou o mundo romano da época: como conciliar a divindade de Jesus Cristo com o dogma da fé em um único Deus? 

Ao final, sem alcançar concordância alguma, muito menos compreender a fundo o porquê de tanta controvérsia, Constantino confidenciou à Ósio, um dos bispos em quem mais confiava:

- Caro Ósio, não consigo compreender por que tanta discordância...


Ósio aproximou-se bem dele e disse:


- Não se preocupe, senhor imperador, podemos e devemos resolver isso de maneira definitiva. Os arianos5 estão equivocados... Deus e Jesus são uma única pessoa que escolhe seus representantes na Terra, como o fez com o santo papa, e também concede a autoridade aos governantes, para que conduzam o povo...


Constantino fitou-o por um segundo. Depois, ergueu-se e pediu silêncio à grande assembléia, convocando:


- Meus irmãos, estou aqui há horas a ouvi-los com muita atenção. Compreendo que tenham pontos divergentes, mas para que o Cristianismo cresça e se expanda com força precisam estar unidos. 


Essas sérias divergências que manifestaram hoje deixam-me profundamente preocupado. E urgente maior união de todos - e o Cristianismo merece isso - inclusive de minha parte, como representante máximo do poder da Terra. E não me furtarei a fazer o melhor pelo bem dos ensinos do Messias.

Fez prolongada pausa, caminhando de um lado a outro, depois prosseguiu:


- É imperativo que nos reunamos novamente, dessa vez em Nicéia - cidade de fácil acesso a todos - para realizar uma grande reunião de conciliação, de onde sairemos com uma linha única a ser seguida por toda a Igreja. Só que, dessa vez, convocaremos todos os bispos. O que dizem, senhores?


E olhando para o representante do papa Silvestre I, indagou:


- O santo padre viria a essa ampla reunião de conciliação?


- Sem dúvida, meu senhor. Suas intenções são das mais nobres, por que ele se negaria? Ao contrário, estou certo de que incentivará a participação de to-dos.


Satisfeito, Constantino concluiu:


- Pois muito bem, em breve nos encontraremos em Nicéia. Marco se encarregará de confirmar a todos a data exata de nosso encontro. Levantou-se, despediu-se de todos os bispos, um a um, e se retirou, deixando a assembléia em meio ao burburinho geral. Mais tarde, comentava com Marco:


- Eles precisam de alguém com visão de liderança. Alguém que represente a palavra máxima e que defina o rumo a ser seguido por todos.


Depois de pensar um pouco, continuou:


- Estou impressionado com a organização que atingiram. Eles possuem uma estrutura hierárquica montada, um corpo eclesiástico bem formado e fun-cionando. A única coisa de que precisam é ...


Marco fitou o imperador e tentou completar a frase:


- Um Deus na Terra? Constantino sorriu e corrigiu:


- Um representante fidedigno de Deus, Marco.


O imperador calou-se, ficou pensativo, depois sorriu novamente ao dizer:


- Eles precisam de um pouco mais de poder. Isso fortalecerá seus ideais e será um excelente motivador a fazê-los unirem-se diante de meus interesses...


- Poder?!


- Isso mesmo, Marco. Um pouco de poder os fará mais confiantes. Quero que o encontro não tarde a acontecer. Não posso perder tempo, abrindo possi-bilidades para que alguém use contra mim essa desunião dos cristãos...


Núbio estava colado ao ouvido de Constantino, repetindo-lhe diversas vezes o que queria que ele fizesse, e o primeiro quase lhe repetia as palavras:


- Um poder que seja capaz de centralizar todos os interesses da Igreja e que a torne de fato universal: a Igreja Católica Apostólica Romana.


Ao ouvir a última frase, a entidade das trevas exultou:


- Isso mesmo, Constantino! Essa reunião será de suma importância para os nossos interesses. 


Queremos todos lá... E aqueles que forem contrários às nossas determinações, destruiremos... 

Ninguém poderá opor-se à nossa vontade... 

Ninguém pode opor-se a você, Constantino, o grande imperador de Roma...

A entidade espiritual recalcitrante no mal soltou ruidosa gargalhada, que ecoou por todo o prédio, provocando nos mais sensíveis súbito temor.


Nas semanas que se seguiram, Constantino teve diversos encontros com o bispo ortodoxo Ósio, que tentou esclarecer-lhe melhor a natureza teológica das disputas que ameaçavam a unidade da Igreja. 


Depois dessas conversas, mesmo sem compreender a disputa teológica que envolvia a questão ariana, Constantino optou por defender a posição dos ortodoxos, aqueles que acreditavam que Jesus e Deus eram uma só pessoa. Jesus era Deus, e ele, na posição de imperador Romano, teria a autoridade máxima na Terra, concedida por Deus, especi-almente se também fosse um cristão confesso. A questão ariana representava um grande obstáculo à realização da sua idéia de um império universal, que deveria ser alcançado com a ajuda da uniformidade da adoração Divina...

Adentrando o grande salão onde Constantino dialogava com Marco sobre suas deliberações, Ernesto e Angélica, envoltos em luminosas emanações, caminhavam em direção ao trono. 


De imediato, Núbio registrou a mudança sutil ocorrida nas vibrações do ambiente e comentou com Normando e Plínio:

- Devemos nos afastar. Há perigo próximo. Fitando o chefe, Normando indagou:


- Que tipo de perigo?


- Sinto uma vibração suave enchendo pouco a pouco o ambiente. Afastemo-nos agora, para não sermos afetados.


Normando insistiu:


- Como poderíamos ser afetados?


Puxando os dois servidores do mal pela mão, ele respondeu ríspido:


- Fique quieto, Normando... E sigam-me. Temos de nos afastar deste ambiente. Vocês não sabem que, se uma entidade de luz nos tocar de alguma forma os sentimentos, podemos sucumbir aos seus apelos?


Dessa vez foi Plínio quem comentou:


- Você deve estar exagerando... Não é possível...


- Cale-se, idiota. Não tem noção do que está falando. Eu já vi isso acontecer várias vezes, até mesmo com entidades mais poderosas mentalmente do que eu. Presenciei tal situação e vi aquele forte espírito prostrado de joelhos, implorando perdão! 


Foi uma cena patética e não admito a menor possibilidade de que um dia isso passe por perto de mim.

Os dois visitantes luminosos tudo observavam.


Assim que as entidades das trevas se afastaram, Angélica comentou:

- Quanto mal ainda causarão! Não podem compreender que o maior mal fazem a si próprios...


 Sabe quem é esse Núbio?

- Eu o conheço, vem há muito tempo lutando contra o Cristianismo. Presenciei muitos cristãos sinceros sofrendo profunda dor, impingida por Núbio e seus seguidores diretos. Ele, por sua vez, apesar de muito independente, responde também a uma entidade ainda mais desenvolvida intelectualmente do que ele.


- Como ficaram assim?


- Desenvolveram o conhecimento, mas nada colocaram em prática, e se perderam no orgulho e na vaidade. O amor, essa jóia do coração que tempera e controla nossos desvarios, anda distante de suas almas.


- Ainda assim, em germe eles trazem o amor dentro de si, não é? 


- Sem dúvida alguma. Essa cena que Núbio descreveu já vi igualmente acontecer muitas vezes, e só é possível graças às sementes de sentimentos elevados que todos os homens trazem no íntimo.

Angélica calou-se, pensativa. Ernesto acercou-se de Constantino, acompanhando sua conversa com Marco:


- Estou decidido, Marco. Abafarei a questão ariana e darei poder ao clero. Controlarei a Igreja, você verá.


Marco não respondeu, ouvindo atentamente. 


Ernesto manteve-se calado por mais algum tempo, depois suspirou fundo e falou:

- Infelizmente, Angélica, acho que não poderemos fazer mais nada. Constantino está firmemente decidido, totalmente influenciado por Núbio. Ele não só o deixou dominar sua mente, como sente a falta da entidade, quando ela se afasta. Estão permutando energias o tempo todo.


- E não podemos mesmo fazer nada? Ernesto meditou um pouco, depois respondeu:


- Faremos uma última tentativa esta noite. Mas Constantino tem seu livre- arbítrio e está optando por deixar que os aspectos que ele tem de combater nesta encarnação, como condição para realizar sua tarefa sobre a Terra, dominem sua personalidade, tomem seu coração e conduzam suas decisões. Está totalmente sob o domínio de Núbio.


- E o que faremos? Ele tem um papel fundamental a cumprir, auxiliando a fortalecer o Cristianismo e sua expansão, contornando as dissensões e fortale-cendo seus princípios puros e simples! Os éditos de tolerância em relação aos cristãos que ele já publicou e outras ações que já implementou em favor do Evangelho confirmam que caminhava na direção certa.


- Sem dúvida, Angélica. Ele iniciou sua trajetória, mas os riscos que corria eram grandes.


- Não estava preparado o suficiente?


- Ele tinha todas as condições para realizar sua tarefa. Mas, para isso, deveria renunciar a vícios mentais de outrora. Em especial abrir mão da vaidade, e ela fala muito alto ainda na alma de Ferdinando...


- Que poderemos fazer?


- Vamos aguardar para tentar falar com ele durante o sono.
- E se não conseguirmos?


- Então, teremos de deixá-lo entregue às conseqüências das próprias decisões.


- E quanto ao Cristianismo? Será prejudicado!


- Constantino não decide sozinho. A organização eclesiástica que se desenvolveu no contato dos convertidos ao Cristianismo com as estruturas romanas vem, ao longo das décadas, contaminando de forma negativa a pureza da Boa Nova. Os homens, devido às suas escolhas equivocadas, afastam-se cada vez mais da fonte verdadeira dos ensinos de Jesus.


Como Angélica permanecia calada, ele prosseguiu:
- Nada podermos fazer para impedir as intenções de Constantino. Mas tenha certeza, de que outros virão para lutar por trazer o Cristianismo de volta à pureza original. E certamente as trevas poderão retardar, mas não irão impedir que o Cristianismo seja triunfante, afinal.


Ouvindo Ernesto, e antevendo a situação dolorosa que se delineava, Angélica indagou, com os olhos rasos de lágrimas e o coração comovido pela situa-ção humana:


- Mas quanta dor a humanidade ainda terá de viver? 


Tocando-lhe as mãos com amor de pai, Ernesto respondeu:

- Isso eu não saberia dizer...


Naquela noite Ernesto tentou despertar o corpo espiritual de Constantino, adormecido sobre seu corpo físico. Mas ele não acordava. A certa altura da delicada operação, Angélica indagou:


- Por que ele não acorda?


- Vê os fios negros que o ligam às entidades das trevas?


- Sim.


- Eles o estão entorpecendo para que não desperte.


- Continuam agindo, ainda que a distância...


- Sim. Eles jamais desistem, uma vez que Constantino lhes elegeu a companhia conscientemente.


Depois de muito tempo em prece, Ernesto finalizou suas atividades, convidando:


- Vamos, Angélica, precisamos ir. Não poderemos ajudar agora. Preparemo-nos para prosseguir com o socorro àqueles que se dispuserem a cooperar com Jesus. Ele busca tais servidores, jamais constrangendo alguém a segui-lo.


Com angústia na voz, Angélica lamentou:


- E Núbio prosseguirá com suas intenções tenebrosas...


- Não permita que o triste quadro que presenciamos desvie seu coração da serenidade e da confiança em Deus. O Pai tem tudo sob o seu comando. Os dias de ação livre de Núbio estão acabando.


- Como assim?


- Ele logo viverá nova experiência na Terra, encarnando de novo. Confiemos na Providência Divina. Agora temos de voltar...


E as duas entidades partiram, deixando atrás de si um intenso rastro de luz. 


4 Presbítero cristão de Alexandria fundador da doutrina cristã do arianismo.

5 O arianismo foi a visão cristológica sustentada pelos seguidores de Ario nos primeiros tempos da Igreja primitiva, que negava a consubstancialidade entre Jesus e Deus, que os igualasse, e fazia do Cristo pré-existente uma criatura, embora a primeira e mais excelsa de todas, que encarnara em Jesus de Nazaré.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Introdução - O Mar Estava Agitado O mar estava agitado. A pequena embarcação se afastava com dificuldade, buscando alcançar o navio que ...