segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Capítulo 11 - A Viagem De Volta

A viagem de volta a Bizâncio foi marcada por dificuldades inesperadas, ladrões e animais perigosos. Marco estava perturbado e agitado. Executou as ordens de seu imperador, mas, ao contrário das outras vezes, em que nos campos de batalha era obrigado a executar seus inimigos, aquela situação o deixara visivelmente vulnerável.

Demorou-se mais do que o previsto e, quando adentrou os portões da bela cidade oriental do império romano, suspirou aliviado, murmurando:


- Finalmente estou em casa!


Apresentou-se imediatamente ao imperador, que o aguardava aflito. Ajoelhando-se diante de Constantino, ouviu dele:


- Levante-se, Marco. Estava a ponto de enviar alguém atrás de você. O que aconteceu afinal? 


Desincumbiu-se da tarefa que lhe confiei às mãos?

- Certamente, meu senhor. Sua ordem está cumprida, com todos ou cuidados necessários. 


Meu atraso deve-se a problemas que tive no caminho de volta.

- Que problemas? Foi seguido? Alguém presenciou?


- Não, meu imperador, não fui visto por ninguém. 


Enfrentei alguns percalços inesperados: animais selvagens me atacaram sem que pudesse pressentir-lhes a aproximação e também dois bandos de ladrões me cercaram. Consegui fugir de um deles, mas com o outro tive de deixar todos os meus bens, até mesmo meu cavalo.

- Não posso acreditar. Isso aconteceu aqui, no oriente?


- Não, foi ainda no ocidente. Sentando-se outra vez em seu portentoso trono, o imperador segurou firme nos braços da suntuosa cadeira e comentou, triunfante, quase sem escutar o que seu fiel servidor lhe narrava:


- Então, sou finalmente o imperador absoluto. 


Fazendo sinal de reverência, Marco confirmou:

- Sim, o senhor agora é o único imperador de Roma. Constantino sorriu entre aliviado e satisfeito. Depois, levantou-se e tocou com firmeza o ombro do amigo, pedindo:


- Vá descansar, Marco, você merece e me parece muito cansado. Realmente sua viagem não deve ter sido fácil.


Marco agradeceu e se retirou sem conseguir parar de pensar que nada havia sido fácil naquela tarefa que cumprira para o seu senhor. Por diversas ve-zes, vinha à sua mente a imagem de Licínio em seus derradeiros instantes, e sentia-se atormentado por aquela lembrança.


Por sua vez, Licínio, cujo corpo espiritual ficara na sala do trono, em companhia de Constantino, sussurrou ao ouvido do imperador:


- Pensa que vai fazer bom uso de seu poder? Vou infernizar e destruir sua vida. Você não terá mais paz. Pensa que acabou comigo? Triste engano. 


Agora posso destruí-lo sem que perceba, e vou fazê-lo devagar, pouco a pouco, comprazendo-me com cada gota de seu sofrimento.

Constantino remexeu-se no trono, experimentando inexplicável desconforto e súbita sensação de perigo. Licínio achegou-se ainda mais, colocando as mãos em volta do pescoço do imperador. Sem conseguir tocá-lo, gritou mais impropérios e tentou socar-lhe o estômago, também sem obter nenhuma reação de Constantino.


Quando ia agredir o opositor outra vez, escutou uma voz grave e pesada que vinha do fundo da sala:


- Não acha que vai atingir seu objetivo dessa forma, não é mesmo, Licínio? Tem muito que aprender, ainda, sobre sua nova condição.


O recém-desencarnado reagiu assustado:


- Quem está aí? Pode me ver?


Das sombras escuras da sala emergiu, devagar, um espírito envolto em uma capa negra, que lhe cobria também a cabeça. Acompanhado de outros dois semelhantes a ele, aproximou-se e se apresentou:


- Sou Núbio. Estes são meus ajudantes Plínio e Normando. Licínio sentiu violento tremor percorrer-lhe o corpo espiritual.


Ainda assustado, gaguejou:


- O... que... fazem aqui?


- Estamos aqui para destruir os planos de Constantino. - Também são inimigos dele?


- Não propriamente dele, mas isso não vem ao caso agora. Podemos ajudar você a realizar seu desejo de vingança, de maneira inteligente e eficaz.


- E se eu não quiser?


Olhando fixo nos olhos de Licínio, aquele espírito ameaçador respondeu:


- Junte-se a nós e nos obedeça, e garanto que realizará seus desejos. Caso contrário, seremos obrigados a expulsá-lo daqui, pois poderia, eventualmente, atrapalhar nossos planos.


Intimidado, Licínio indagou:


- Quem são vocês, afinal?


Sorrindo, o encapuzado respondeu apenas:


- Servidores das trevas.


Fitando Licínio e aguardando por sua resposta, Núbio obrigou-o, através da energia de seu pensamento, a ajoelhar-se diante dele. Ainda mais assustado, Licínio concordou:


- Está bem, está certo. Faço o que quiserem, desde que me permitam vingar-me dele.


- Terá a sua vingança, saboreando-a lentamente. Agora venha conosco.


Licínio deixou a sala junto com os outros. Foram direto para os aposentos de Fausta, a segunda esposa de Constantino e mãe de seus três filhos mais novos. Ela dormia sono profundo, mas estava inquieta. Seu corpo espiritual pairava sobre seu corpo físico. Licínio observou o fato e espantado indagou:


- O que é isso? Como ela pode ser duas ao mesmo tempo? Foi Plínio quem respondeu:


- Todos os homens encarnados são assim. Você também era. Agora, depois que morreu na Terra, tem somente seu corpo espiritual.


Licínio se examinava ao mesmo tempo em que olhava Fausta dormindo. Depois, Núbio convidou:


- Observe bem esses pontos colados ao corpo espiritual dela. Consegue reconhecer alguma imagem?


Licínio observou atentamente, e depois respondeu:
- São imagens?


- Muitos são imagens que refletem os pensamentos que povoam sua mente. E é aqui que reside sua tarefa, por ora. Encontre, na exteriorização dos pensamentos dela, alguma imagem que possamos utilizar para destruir Constantino.


Licínio continuava observando, sem entender a que Núbio se referia. Estava curioso demais para registrar suas ordens. Núbio, então, falou irritado:


- Plínio vai lhe dizer o que são essas imagens e como tirar proveito delas. Eu tenho mais o que fazer. Antes que pudesse sair, Licínio o deteve, agastado, mas contido:


- Por que não posso ir com você?


- Não seja estúpido. Você pode ser mais inteligente do que isso. Tem de aprender a lidar com sua nova situação e podemos ensiná-lo bem depressa. 


Agora pare de me trazer problemas. Tenho muito a fazer e você não pode me ajudar com sua atual ignorância.

Fez breve pausa, depois continuou:


- Se quer mesmo sua vingança, terá de agir do nosso modo. Está bem claro?


Licínio balançou a cabeça em sinal afirmativo e Núbio desapareceu no corredor. O primeiro, então, notou que havia outras entidades que andavam para todos os lados do castelo; alguns pareciam verdadeiros zumbis, já outros se assemelhavam mais a eles. Sem dizer nada, Licínio acompanhou Plínio, fazendo tudo o que ele dizia. Sua tarefa principal era vigiar os pensamentos e atos de Fausta, para compreender-lhe bem as fraquezas e poder atuar sobre elas de acordo com seus interesses. Dia e noite espreitavam-lhe os passos, os atos e as palavras. A presença daquelas entidades de pesado teor vibratório foi aos poucos envolvendo Fausta em uma pesada energia, que a debilitava lenta e sutil-mente, tornando-a dia a dia mais desconfiada e insatisfeita.


Vários meses se passaram. Constantino se dedicava ao projeto de reconstrução de Bizâncio, e transformou-a na capital do império, ainda que contra a vontade dos senadores de Roma. Ele pouco viajava para a antiga capital, demorando-se cada vez mais na cidade que escolhera para sua residência.


Estava satisfeito. Tinha nas mãos o controle absoluto do império, como sempre desejara, e queria que assim continuasse. Estava debruçado sobre a janela a contemplar os homens que trabalhavam, restaurando e modernizando construções, quando Marco chegou e saudou:


- Ave, César!


- Meu amigo, o que o traz logo pela manhã?


- Notícias de sua irmã.


- O que tem ela?


- Está gravemente doente.


- O que houve?


- Desde a morte de Licínio ela tem estado adoentada. Não se refez de todo do choque da perda do marido.


Constantino ficou calado algum tempo, depois disse:


- O que se pode fazer? São reflexos indesejados, mas que eventualmente acontecem em uma empreitada, ainda mais da envergadura na nossa, não é, Marco?


O outro concordou: - Sem dúvida. O que devo fazer?


- Continue a cercá-la de tudo de que necessita.


- Ela tem comentado com freqüência sua preocupação com as dissensões entre os Cristãos.
Interessado, Constantino indagou:


- Isso continua? Pensei que, após todos os nossos esforços, os cristãos estivessem vivendo finalmente em paz...


- Parece que isso ainda não aconteceu.


Constantino sentou-se, tomou um belo cacho de uvas e ofereceu-o a Marco, que recusou, agradecendo. Depois de saborear algumas uvas, o imperador perguntou interessado:


- Mas afinal, são sérias essas discordâncias?


- Parece que sim. Elas estão crescendo e criando certa animosidade entre diversos grupos e igrejas. 


Alguns bispos se atacam durante as pregações e até os seguidores mais distraídos estão começando a perceber o que se passa.

- Isso não é nada bom, Marco; ao contrário, essa notícia me preocupa muito. A última coisa de que preciso é de grupos antagônicos dentro do meu império. Sobretudo agora, que finalmente ocupo o trono absoluto.


Depois de breve pausa, ele indagou:


- Você acha que essas discórdias tendem a aumentar?


- Se nada for feito, acredito que sim.


- Mas afinal, o que está causando esse antagonismo, essas divergências?


- Não sei ao certo. Parece que são opiniões conflitantes, pontos de vista di-ferentes sobre determinados aspectos dos ensinos do Cristo e até mesmo sobre o próprio Cristo.


Pensando alto, Constantino comentou:


- Os cristãos unidos me interessam muito. Eles crescem mais e mais a cada dia e precisam de uma força que os lidere, os conduza...


Marco escutava atentamente. Constantino prosseguiu:


- Quero ouvir os líderes. Organize audiências com os principais líderes Cristãos. Quero saber tudo e ver como poderei ajudá-los neste momento.


- Vou convocá-los imediatamente.


Tocando no braço de Marco, o imperador reiterou:


- Faça isso depressa. Meu reinado precisa ser marcado pela união e pela concórdia. Como sempre, agradeço suas úteis informações.


Marco esboçou sincero sorriso e saiu. Constantino foi até a janela novamente e ficou a pensar. Depois balbuciou:


- Vou dar um jeito nisso, ah, se vou!

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