quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Capítulo 55 - Durante Bastante Tempo

Durante bastante tempo as duas permaneceram caladas, como se dese-jassem reter aquelas doces emoções para sempre. Estavam ainda absortas, relembrando a experiência, quando Eliana, a presidente da casa espírita, abriu a porta. 

Vendo-as, indagou:

- Está tudo bem?


Como se despertasse de um sonho, Helena respondeu:


- Sim... Claro, Eliana, está tudo bem.


- Fiquei preocupada com vocês. Saíram subitamente e, como não retornaram, pensei ter havido algum problema. Todos já foram embora.


- Nossa! O tempo passou e nem notei. De fato, Isabela não se sentia bem.


- Sensibilidade aflorando?


- Sim, abertura mediúnica. O mentor dela se apresentou e tivemos uma conversa instrutiva e proveitosa.


- Eu o vi enquanto ela estava sentada na platéia. Isabela ficou surpresa:


- A senhora também o vê?


- Sim, minha filha; ele usava uma batina e tinha a aparência de padre franciscano.


- Foi assim mesmo que o vi - a jovem concordou. E Eliana prosseguiu:


- Ele tem estado conosco há algum tempo.


- E muito interessante - Helena comentou. 


- Sinto como se o conhecesse há muito tempo; e o mesmo acontece com relação a Isabela.

Eliana sorriu e considerou:


- E possível que estejamos juntas há muitas encarnações, e agora mais uma vez reunidas no plano físico. Façamos bom uso de nosso tempo, nesta hora abençoada em que a Terra passa por estágio decisivo no seu desenvolvimento; é fundamental que aproveitemos esta oportunidade com sabedoria.


Interessada, Isabela inquiriu:


- Do que a senhora está falando?


- Da transição da Terra. Nosso planeta atravessará largo período de turbulências e dificuldades extremas, que se traduzirão em calamidades, catástrofes, sofrimentos os mais diversos; isso porque está alcançando o ápice de sua fase de planeta de expiações e provas para, ascendendo na escala dos mundos, tornar-se um planeta de regeneração. 


Neste processo de transformação, é imperativo nos esforçarmos ao máximo para permanecer na Terra, pois aqueles que não despertarem para o bem, para a luz - para Deus, enfim -, terão de deixar o planeta, que mudará seu teor vibratório. Vemos que, nesse aspecto, o orbe terrestre está passando por intensa modificação, que culminará em uma sintonia mais elevada, de amor, de harmonia, de paz. 

Entretanto, somente aqueles que puderem vibrar na mesma sintonia aqui ficarão, para trabalhar pelo bem maior: a implantação do reino divino sobre a Terra. Aqueles outros, que insistirem em viver longe do Pai e de seu amor, serão enviados então para mundos mais atrasados, onde seguirão, em condição mais penosa, sua trajetória de evolução.

Devemos valorizar cada momento de nossa vida servindo a Deus e a Jesus e, acima de tudo, trabalhando em nós mesmos pela transformação interior para o bem.

Isabela, que ouvia atenta, valeu-se de breve interrupção para indagar:


- E como promover essa transformação interior? 


Como se faz isso:

- Deixando que o amor de Jesus nos envolva e pautando pelo Evangelho nossos atos, nossa vida. 


Jesus nos trouxe, sobretudo pelo exemplo, todos os ensinamentos de que necessitamos. Cabe-nos, agora, colocá-los em prática. Não basta declarar que professamos determinada religião. É preciso que vivamos seus ensinos, seus princípios, deixando que iluminem nosso ser e nos transformem de fato. Como alertou Jesus, "nem todo aquele que me diz senhor, senhor, entrará nos reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu pai que está nos céus". E hora de acordarmos para essa verdade, de avaliarmos se não estamos louvando o Mestre com os lábios e negando-o com nossa vida, com nossos atos.

Profundamente sensibilizada pelas palavras de Eliana, Isabela lembrou:


- Aquele padre disse que preciso honrar responsabilidades que assumi antes de nascer... Que responsabilidades são essas?


- Ainda que não possa afirmar de pronto, é possível que estejam relacionadas à sua mediunidade. Essa faculdade normalmente está associada a muito trabalho pelos semelhantes...


- Sim, ele disse também que eu deveria começar a trabalhar pelos outros. O que poderia fazer aqui na instituição? Há algo em que meus conhecimentos médicos possam ajudar?


- Qual é sua especialidade? - indagou Eliana.


- Pediatria.


A dirigente da casa sorriu.


- Como você já deve ter ouvido falarem, estamos prestes a concluir as obras de uma creche, que deverá receber muitas crianças menos favorecidas da região. Finalizada a construção, iniciaremos o processo de seleção dos profissionais remunerados e voluntários que farão a creche funcionar de fato. 


Seria muito bom termos um médico para acompanhar o desenvolvimento e as necessidades de saúde das crianças. Se desejar, temos trabalho para você. Na realidade, estávamos aguardando que esse profissional aparecesse... 

Já fizemos diversas entrevistas e temos quase todos os demais profissionais especializados definidos. Porém há alguns - como é o caso de médicos, dentistas, psicólogos - que por enquanto não temos recursos para pagar... Isabela abriu largo sorriso e asseverou, decidida:

- Pode contar comigo. Em seis meses terminarei minha residência e estarei totalmente apta para ajudar. Inclusive nesse meio-tempo posso colaborar, sem assumir o papel de pediatra responsável da instituição.


- Vamos precisar de mais alguns meses até termos tudo em ordem para a inauguração e o início das atividades. Será o tempo necessário para que você esteja pronta. Enquanto isso, prepare-se também espiritualmente. Seria importante passar por um tratamento espiritual e, depois, esperar a orientação da espiritualidade que nos conduz, para principiar alguma outra tarefa, de caráter doutrinário. Como você vê, Isabela, se quiser trabalhar mesmo, não faltará oportunidade... Trabalho temos de sobra; o que nos falta são pessoas à disposição para servir. 


Muitos querem assumir cargos e funções; poucos são aqueles que se dispõem a servir seus semelhantes, atuando onde é melhor e da maneira mais adequada para o trabalho como um todo.

Eliana parecia feliz, no momento em que encerrou a conversa. - Precisamos ir agora. Poderemos contar com você, Isabela? Ou quer um tempo para refletir sobre o que ouviu hoje?


- Podem contar comigo, quero trabalhar.


Helena sorria, sentindo o coração pleno de alegria. 


As três saíram, e Eliana fechou o núcleo espírita. 

Isabela seguiu para casa rememorando os detalhes do que acabara de viver. Sentia profundo bem-estar brotar-lhe no íntimo. Assim que entrou no carro, seu celular tocou. Era a mãe, desesperada:

- Onde você está? Seu pai está passando muito mal, filha. Por favor, venha logo...


- Em um minuto estarei aí.


Ao chegou encontrou o pai em estado lastimável. 


Levou-o para o hospital, onde foi imediatamente internado. Seu organismo estava reagindo de forma violenta ao tratamento. Entrou no hospital desacordado. Depois que ele foi medicado e apresentou pequena melhora, Lídia interpelou a filha:

- Disseram-lhe alguma coisa sobre a situação real?


- O mesmo que você já sabe, mãe. O organismo dele está fraco e o tratamento é muito forte.


- E o que será dele e de nós, agora?


- Não sei... Temos de confiar em Deus. - Muito me espanta uma médica como você, mulher independente e esclarecida, acreditar em ensinos místicos, achando que isso poderá resolver sua vida...


- Mãe, pelo pouco que conheço, sei que a Doutrina Espírita não tem nada de mística. Ela é científica, sim, e muito lógica.


- É ridícula...


- Você mal conhece...


- Nem preciso. Não me interesso por religião alguma. São todas anestesiantes e alienantes.


- Não a Doutrina Espírita, mãe. Ela é diferente, não aliena e sim conscientiza. Antes de tudo nos faz pensar. Seus postulados são de um bom-senso ex-cepcional. Você devia conhecer um pouco, como professora de sociologia e filosofia...


- Não, Isabela, chega. Não quero saber nada sobre isso...
A jovem emudeceu, respeitando a dor que percebia dominar a mãe naquele momento. Acima de qualquer raciocínio, ela sabia exatamente a experiência incrível que vivera. Vira Peter fora do corpo físico; portanto, não precisava ler ou ouvir alguém dizendo para acreditar. Sabia que existia um corpo etéreo semelhante ao corpo físico, e que esse ser tinha plena consciência de si mesmo. Ela podia ver o mundo espiritual, e a Doutrina Espírita lhe trouxera entendimento sobre essa faculdade.


Depois de dois dias de acompanhamento intensivo, Márcio voltou para casa. Isabela, não obstante a oposição dos pais, seguia estudando os livros espíri-tas com afinco, e passou a freqüentar os estudos noturnos, nos quais as obras de André Luiz eram esmiuçadas.


Transcorridos quase seis meses, a moça estava prestes a finalizar sua residência e poderia atuar como pediatra formada. Esperava por isso com ansiedade e dedicava-se também ao trabalho da creche na companhia de Helena, da qual se tornara o braço direito. 


As duas fortaleciam-se reciprocamente e alimentavam profunda e sincera amizade. No entanto, o estado de saúde do pai continuava a preocupá-la. Ele não apresentava melhora significativa; a doença parecia estabilizada no patamar grave de seis meses antes.

Aquela fora uma noite de estudo intenso, e as atividades no centro haviam terminado um pouco mais tarde do que o habitual. Isabela chegou em casa em silêncio, supondo que os pais já estivessem recolhidos. Ao abrir a porta, apreensiva, viu as luzes da casa acesas e escutou conversa na sala. 


Entrou e ficou surpresa: a mãe e o pai conversavam com um elegante homem loiro. Ela pensou ter reconhecido a voz, e quando ele se virou para cumprimentá-la teve a certeza: 

- Boa noite, Isabela.

Espantada, olhava para aquele homem cujos lindos e profundos olhos azuis mais pareciam um mar sereno. Sentiu o coração bater acelerado. Suas pernas amoleceram, e ela apoiou-se no braço do sofá para não desfalecer.


- Peter, é você mesmo? - balbuciou.


- Sim, sou eu - falou com seu inglês nítido e fácil de ser compreendido.


Dominada pela emoção e pela atração inexplicável que sentia por aquele homem, ela abriu largo sorriso.
- O que está fazendo aqui?


- Estou no Brasil a trabalho, mas não posso enganá-la. O trabalho foi apenas um pretexto que encontrei para poder vir até aqui. Eu precisava vê-la novamente. Espero que não se ofenda, nem se sinta invadida pela minha iniciativa. Caso minha presença a incomode, por favor, quero que me diga.


- De maneira alguma! Estou surpresa, muito surpresa! Você não disse nada em suas cartas... 


Aliás, faz algum tempo que não escreve.

- Eu sei. É que estava muito ocupado com o novo trabalho e também com os preparativos para a viagem. Quis fazer esta surpresa.


- Estou feliz que esteja aqui. Quanto tempo vai ficar?


-Três dias. Tenho uma cobertura esportiva para fazer e logo vou retornar.


- Esportes?


- Embora não seja exatamente minha especialidade, foi a forma que encontrei de ganhar dinheiro. Além disso, trouxe um de meus livros para uma editora brasileira avaliar. Eles trabalham com biografias e tenho uma obra singela para editar.


- Você escreveu um livro?


- Trata-se da biografia de um atleta conhecido nos Estados Unidos.


Isabela sorriu e ficou a admirar o belo rosto de Peter, seus traços ao mesmo tempo suaves e masculinos, seus cabelos dourados muito brilhantes.


Ela conteve o ímpeto de lançar-se em seus braços ali mesmo, diante do olhar dos pais. Conversaram bastante, até que Márcio se retirou com a esposa. 

Isabela e Peter ficaram a sós, em longo e agradável diálogo. Já era madrugada quando ele disse:

- Infelizmente preciso ir. Não demora a amanhecer e tenho de estar às sete horas no estádio, para a cobertura do evento.


Segurando com ternura as mãos de Isabela, indagou:


- A que horas podemos nos ver de novo?


- Normalmente fico no hospital até as cinco da tarde, mas vou tentar trocar meus horários para termos mais tempo juntos. Quero aproveitar cada minuto em sua companhia... Isabela conduziu Peter até a porta. Com ternura no olhar, ele afagou seu rosto, seus cabelos, seus lábios, e então beijou-a com ardor. Ela se deixou envolver pelo seu carinho e entregou-se ao longo e apaixonado beijo que trocaram. Quando Peter saiu, Isabela fechou a porta e encostou-se nela sentindo como se vivesse um sonho. Aquele homem, quase mendigo, que a abordara acabava de sair de sua casa, irreconhecível, lindo e elegante. Que transforma-ção inacreditável!


A jovem se deitou e dormiu algumas horas. De manhã fez algumas ligações, procurando por amigos que a substituíssem em dois dias de suas obrigações no hospital. Conseguiu, afinal, acertar a troca com dois amigos diferentes. Ficou satisfeita. Teria dois dias inteiros para estar com Peter. Logo se lembrou de suas atividades na casa espírita e desejou que ele fosse junto.


À noite, os dois assistiram a uma palestra sentados lado a lado. Assim que Helena avistou a amiga, soube quem a acompanhava. Isabela estava radiante. Depois, os dois saíram para jantar e falaram sobre muitos assuntos. Quanto mais ficava perto de Peter, mais Isabela se convencia de que ele era o homem com quem queria passar o resto de sua vida. De igual modo, era irresistível a atração que Peter sentia por ela. Chegado o dia da partida dele para os Estados Unidos, prometeram um ao outro que não tardariam a achar um jeito de se reverem. 


Ao observá-lo cruzando o portão de embarque e a alfândega, envolvida em profunda emoção, Isabela não teve dúvida: estava apaixonada.

Naquela noite foi para casa dirigindo bem devagar, a relembrar com entusiasmo cada momento que vivera ao lado de Peter. Tinha vontade de sorrir e de chorar, alternadamente. A esperança lhe envolvia o coração. Parecia que seus mais profundos sonhos se tornariam realidade. Ansiara tanto por encontrar um amor verdadeiro para compartilhar a vida, construir um lar e ter filhos... 


Gostaria de ter muitos, embora soubesse que seria difícil satisfazer plenamente tal aspiração. Se lhe fosse possível teria cinco, seis filhos... Sua casa estaria sempre repleta de crianças correndo de um lado para outro.

Fora o carinho pelas crianças que a fizera optar pela especialização em pediatria. Já a medicina a atraía desde que começara a estudar. Sempre dizia que desejava cuidar dos outros. Ao crescer escolhera a medicina. Ela pouco namorara, pois, de algum modo, sabia haver alguém à sua espera, em algum lugar.


Quando encostou o carro na garagem e desligou o motor, sentiu como se caísse de grande altura ou despertasse de um sonho bom. Seu coração ficou angustiado ao lembrar-se do pai e de seu problema de saúde agravado. Quando entrou em casa, silenciosamente, a mãe a aguardava acordada. 


Assim que a viu reclamou, chorando:

- Não se importa com ninguém além de você, não é? - Calma, mãe, o que foi?


- Seu pai passou muito mal.


Ela fez menção de ir até o quarto e a mãe a deteve.
- Agora não adianta, ele já está melhor.


Isabela soltou o corpo na poltrona e fechou os olhos, suspirando.


- Ele passou muito mal no fim da tarde, mas não quis que eu a chamasse.


- E por que não?


- Você está com a cabeça nas nuvens! Não entendo como pode ligar-se a alguém que sequer conhece...


Seu pai não simpatizou nem um pouco com o tal Peter.

- Pois saiba que é uma ótima pessoa.


- Como pode saber, em dois, três dias de convivência? Não vê o que está fazendo com sua vida? Esse homem não serve para você!


- O que está acontecendo com vocês? Como podem julgar alguém que não conhecem? Não sou tola, estou procurando conhecê-lo com muita cautela. 


Seja como for, sinto por ele grande afinidade, como se convivêssemos há muitos anos.

A jovem parou por instantes e olhou a mãe.


- Não foi assim com você e meu pai? Você sempre me diz que foi amor à primeira vista...


- É diferente.


- Por quê?


- Porque estudávamos juntos, nos víamos todos os dias, e tivemos muito tempo para nos conhecermos bem antes de começarmos a namorar...


- Mãe, quando temos esse sentimento de afinidade profunda com alguém, não é preciso muito tempo para percebermos que é a pessoa que procuráva-mos... Não quer que eu seja feliz?


- É claro que quero - ela sorriu ao responder.
- Então me apoie.


Ana Lídia baixou a cabeça. Limpando as lágrimas que lhe desciam pela face, murmurou:


- Estou com tanto medo... assim como seu pai. Isabela abraçou-a.


- Eu sei, mãe, também sinto medo... Amo vocês e desejo muito que todo esse pesadelo termine... O que mais quero é ver meu pai curado, voltando às suas atividades... Mas o que podemos fazer? Vocês precisam encontrar alguma esperança...


- Uma religião, você quer dizer?


- Sim, mãe, uma religião, uma fé, algo maior do que nós. Qual é o problema? - Isso tudo é bobagem. 


Não creio em religião alguma... Não há nada depois da morte...

- Mãe, isso é terrível! Acreditar nisso é que a faz sofrer tanto... Se deixasse que Jesus...


Ana Lídia não lhe permitiu concluir.


- Pare, por favor, filha. Não quero mais conversar sobre esse assunto. Fico feliz que você tenha encontrado uma forma de anestesiar suas dores...


- Não, mãe, não estou anestesiando nada... Sinto dor, exatamente como antes, só que agora posso compreender por que sofremos... Se você ao menos me deixasse falar, se me escutasse... Você, uma mulher tão inteligente, deveria ler alguns dos livros espíritas eu já li. Eles são elucidativos demais... E nos trazem reflexões que satisfazem ao mesmo tempo nossas necessidades emocionais e intelectuais - racionais, enfim.


Tocando o braço da filha, Ana Lídia respondeu:


- Eu gostaria de acreditar, filha, porém não consigo...


Ficaram ambas em silêncio, e pouco depois a mãe avisou:


- Vou me deitar, estou muito cansada. Boa noite. 


Observando-a afastar-se, Isabela falou baixinho:

- Boa noite, mãe.

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