domingo, 17 de setembro de 2017

Capítulo 15 - Com O Poder Imperial

Com o poder Imperial recebido, o corpo eclesiástico dos bispos ortodoxos ganhou grande força. Aqueles que não aceitavam as novas orientações e insis-tiam em seguir as idéias de Ário eram perseguidos, humilhados, exilados. 

Todas as obras escritas por ele que encontraram foram queimadas, inclusive as do próprio Ário. A única que restou foi a que estava em poder de Constância, que foi poupada pelo imperador. Ele fez vistas grossas às reuniões que a irmã liderava. 

Quando o bispo Ósio lhe cobrava uma atitude, argumentava:

- Por que se incomodam tanto? O que faz Constância de mal? Aquela pequena casa recebe doentes e pessoas famintas e tornou-se a razão de viver de minha irmã; não quero que a impeçam.


Deixem-na viver. Ela já sofreu demais; não quero que a aborreçam.

Osio se irritava com a atitude do imperador, e não obstante usasse todos os argumentos de que dispunha, não conseguiu mover em nada as disposições de Constantino que, ao contrário, de quando em quando visitava a Casa do Caminho que a irmã coordenava, deixando-a profundamente feliz.


Por outro lado, Fausta enchia-se cada vez mais de mágoa e ressentimento pelo marido, e envolvida por Licínio, que não a deixava um só minuto, alimentando-se das energias deletérias que o ódio dela gerava, sentia seu rancor aumentar a cada dia.


Naquela manhã ela fazia o desjejum em companhia do marido, determinada a falar-lhe da necessidade de dar maior atenção aos filhos, quando Crispus entrou na sala, satisfeito, informando: 


- Pai, acabamos de fechar uma fantástica negociação com os persas e compramos uma frota de navios inteiramente nova. Vão entregá-la em cerca de um ano, e poderei acompanhar pessoalmente o acabamento das naus. Era isso que você queria?

Satisfeito, Constantino convidou-o:


- Sim, era isso mesmo. Agora venha, sente-se ao meu lado para um desjejum conosco.


- Eu já tomei...


- Então não me prive da sua companhia. Venha, sente-se ao meu lado, meu filho. Estou orgulhoso! 


Você me lembra a mim mesmo, na sua idade...

Fausta tinha os olhos falseando de ódio, e naquele momento decidiu, incentivada por Licínio, que tomaria uma atitude firme contra o jovem, ou ele teria toda a atenção do imperador e seria seu sucessor natural. Ela não poderia deixar isso acontecer. Licínio lhe soprava ao ouvido:


- Um de seus filhos deve ser o sucessor de Constantino, e não esse Crispus, arrogante como o pai.


Inconformada e profundamente irritada, ela não se conteve. Erguendo-se, olhou para o imperador e comunicou:


- Preciso sair agora, meu senhor. Ele, surpreso, comentou:


- Mas ainda não terminou de comer, e disse que queria falar-me.


- O apetite me deixou, e igualmente o ânimo de conversar. Não me sinto bem, preciso retirar-me, com o seu consentimento, senhor.


- Você o tem.


E permaneceram os dois em longa conversação de teor militar. Já em seus aposentos Fausta desatou, colérica, a gritar impropérios contra o imperador; chegou mesmo a assustar sua serviçal, acostumada a suas crises de raiva constantes. 


Depois de esbravejar, atirar objetos e se descabelar no acesso de raiva, sentou-se diante do espelho e observou-se exausta. Licínio, satisfeito pelos resultados que obtinha, insistia tenaz nas provocações. 

Aproveitando o momento de aparente calmaria, aproximou-se e sussurrou-lhe:

- Você está ficando velha. Seus filhos estão crescendo e, se não tomar uma atitude agora, acabará por perder o marido e seus filhos ficarão sem o trono. Olhe para você. Acha que ele não vai trocá-la em breve por uma mulher mais jovem e bela, como fez ao deixar a primeira esposa por você? Preste atenção. Você precisa fazer alguma coisa, e logo. Acabe com Crispus! Tire-o de seu caminho o quanto antes. Não perca mais tempo.


Totalmente envolvida pelas sugestões de Licínio, que tomava por suas, ergueu-se resoluta.


- É isso mesmo. Chega de gritos e choro. Vou tomar a atitude que já deveria ter tomado! Vou afastar Crispus de meu caminho, ah, se vou!

Parando por um instante, pensou em voz alta: 


- Mas como o farei? Outra vez Licínio sussurrou:

- Não se preocupe. Tenho um plano perfeito para você destruir o pai e o filho ao mesmo tempo.


Ela acatou de imediato a sugestão.


- Logo terei uma idéia brilhante para acabar com os dois... Licínio, sorrindo sarcasticamente, murmurou:


- Como é estúpida e fraca...


Dias depois, Constantino embarcava com Crispus para acompanhar de perto a construção das naus. 


Nutria profunda admiração e grande paixão pelo mar e por forças bélicas marítimas. Apreciava as armadas gigantescas, com seus aparatos bélicos e suas velas enormes, pesadas; tudo isso o fascinava.

O imperador caminhava animado pelo corredor do imenso palácio de Bizâncio, quando Fausta o chamou, desejando despedir-se do esposo.


- Então está de partida, meu senhor?


- Já havia mandado lhe avisar.


- Eu sei. Estou aqui para despedir-me e desejar-lhe uma viagem segura.


- Eu terei, obrigado.


Aproximando-se mais do esposo, ela sussurrou-lhe:


- Tenha cuidado, meu senhor, muitos olhos o espreitam, intentando destruir-lhe a paz e a alegria. 


São seus inimigos mesmo aqueles que comem com o senhor!

Assustado, o imperador afastou-se um pouco e indagou:


- O que diz? Ela insistiu:


- Peço-lhe tão-somente que tenha cuidado. Aqueles em quem confia poderão traí-lo, meu imperador...


Segurando-a pelo braço com firmeza, ele indagou novamente, perturbado:


- Explique o que está tentando dizer. Fale de uma vez! O que está insinuando? Sabe alguma coisa? O quê?


Muito suave e simulando preocupação, ela comentou:


- Os servos dizem muitas coisas por estes corredores, senhor. O vaivém de informações é incessante... Diz-se que Crispus alardeia aos ventos que deseja sucedê-lo no trono do império romano.


Fala-se mesmo que já está preparado para tal, quando a hora chegar.

Fitando-a incrédulo, ele comentou:


- E ele será, sem dúvida, meu sucessor. Que tem isso? - Nada, meu senhor, se ele não dissesse também que sabe mais que o imperador e fará melhor governo do que vossa majestade.


Imediatamente o sangue sumiu do rosto de Constantino. Velhos medos, resquício das antigas disputas vividas, acenderam-se-lhe na alma e inexprimível angústia apossou-se dele. De imediato, Licínio percebeu-lhe a reação e viu que as palavras da consorte lhe haviam ateado fogo ao coração. 


Então cochichou aos seus ouvidos:

- Ele quer tomar-lhe o trono, é isso o que deseja. 


Vai fazer de tudo para usurpar-lhe o poder. É seu inimigo e está prestes a traí-lo. Prepara um grande complô para tirá-lo do trono.

Esforçando-se ao máximo para controlar seus impulsos, Constantino enfim respondeu a Fausta:


- Assim que regressarmos iremos todos a Roma para celebrar os vinte anos de meu reinado, de meu domínio, de meu poder.


- Sim, meu senhor, sei que se prepara em Roma uma grande festa a ser dada em sua honrosa homenagem.


Deseja que eu vá até lá para acompanhar os preparativos?

- Não vejo necessidade, apenas esteja pronta.


- Posso ir, se desejar, meu senhor.


- Pois então vá, Fausta, e esteja certa de que tudo, absolutamente tudo, esteja perfeito. Ao retornar, logo irei para Roma.


- Farei o melhor ao meu alcance... Afinal, são vinte anos de glória que precisam ser celebrados!


Despediram-se. Marco, que ouvira a conversa a meia-distância, aproximou-se do imperador e comentou:


- Acha que ela falou a verdade?


- Algo me diz que é possível. Vamos ficar atentos.
- Não creio que Crispus seja capaz de uma traição dessas, senhor.


- Meu caro Marco, sua lealdade e sua pureza o impedem de enxergar com clareza a alma humana, não é mesmo?


Marco se manteve calado e Constantino prosseguiu, instigado pelas palavras de Licínio, que permanecia ao seu redor, repetindo-lhe impropérios sobre o filho.


- Todo homem é capaz de tudo pelo poder. Crispus já me tem chamado a atenção há muito tempo, tentando sempre se igualar a mim.


- Mas ele é seu filho; cresceu bem perto, assistindo à sua trajetória; é natural que nutra admiração pelo pai e que deseje imitá-lo.


Fitando o amigo, ele quase se deixou envolver por suas palavras, mas Licínio argumentou: 


- Marco é ingênuo demais e sua submissão o impede de enxergar com clareza; não é um bom juiz para esse assunto. Melhor nem discutir com ele, pois nada poderá auxiliar nesta questão.

Constantino calou-se por longo tempo. Quando afinal estavam perto da embarcação que utilizariam para chegar ao porto, onde eram construídas as naus romanas, disse a Marco:


- Não comente nada com ninguém sobre o que conversamos no caminho. Fique de olhos e ouvidos bem abertos e, ao menor sinal, me avise. Farei o mesmo.


- Sim, meu senhor.


Entraram. Durante toda a viagem, Licínio buscou oportunidades de confundir as situações e, ligado à mente de Constantino, fazia-o enxergar distorcidos todos os fatos. Assim, qualquer gesto do filho ele interpretava por provocação; começou a instalar-se um sentimento de irritação recíproca entre Cons-tantino e Crispus, sem motivo aparente. 


A irritação passou depressa à fúria, e antes de atracarem no porto de destino os dois tiveram exasperada discussão e Constantino decidiu retornar. Ofendido, Crispus não podia compreender o que se passava com o pai, que de uma hora para a outra passou a tratá-lo com desconfiança e azedume, como se ele o houvesse ofendido seriamente. Licínio vibrava.

Conseguira mais um sucesso contra o inimigo.

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