segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Capítulo 2 - Juliano Sentou-se

Juliano sentou-se à beira da cama e afagou com ternura o rosto da mãe. 

Seu coração batia descompassado; suas mãos suavam frio e de seus olhos desciam pesadas lágrimas que corriam pela face alva, alcançando, vez por outra, as mãos de Constância. Esta, imóvel, empalidecia mais e mais, e agora já tinha os lábios arroxeados. O rapaz olhava para a porta a todo instante, ansioso para que alguém aparecesse em socorro da mãe. 

Ele a beijou na face e sussurrou, angustiado:

- Por favor, mamãe, agüente! Helena foi buscar ajuda. Não morra, por favor...


Escutou a voz forte e irritada do pai:


- O que está fazendo aqui? Onde está sua mãe? Juliano ergueu-se indignado:


- Não está vendo que ela está aqui, prestes a morrer por sua causa?


Sustentando o olhar arrogante, Licínio, incrédulo, acercou-se da ampla cama que acomodava a esposa. Fitando-a, exclamou:


- Não tive a intenção de machucá-la, mas ela insistia em interferir em minhas ordens!


- Não sente nada por ela, mesmo, não é?


- E quem você pensa que é para questionar meus sentimentos, rapaz? Ainda não sabe nada da vida, das dificuldades e desafios que o mundo nos impõe. Não tem o direito de julgar-me ou discutir meus atos.


- Você machucou a minha mãe, tratou-a com violência, e é só isso que me diz? Vem ainda me censurar...


Juliano interrompeu-se, em pranto. Licínio aproximou-se mais da mulher, auscultou-lhe o coração, ergueu-lhe a cabeça e observou o curativo e o ferimento. Depois, recolocando-a com cuidado na cama, ergueu-se e disse:


- A mim você não puxou, definitivamente. Parece uma mulherzinha choramingando. Vou buscar alguém que a possa ajudar.


Sem esperar pela resposta do rapaz, Licínio saiu decidido. Antes de deixar o cômodo, no entanto, virando-se para o rapaz, disse: 


- Mandarei um dos sacerdotes vir vê-la. Depois partirei com meus melhores homens para terminar o que comecei. 

Quero expulsar definitivamente todos os funcionários cristãos que trabalham em áreas administrativas do meu reino.

- Por que tanto ódio, meu pai?


- Você pensa que sabe alguma coisa sobre esses cristãos, mas não sabe. Eles são como uma praga que se espalha por toda parte e se infiltra em todas as áreas do império. Um sem-número de aristocratas da mais alta casta romana está se juntando a esses seguidores de um mestre nazareno que faz milagres e promete vida eterna... 


Vida eterna... Promete o paraíso...

- Eu realmente não o compreendo, meu pai. Não foram você e meu tio que fizeram promulgar o Édito de Milão, em que determinam que haja tolerância religiosa no império? Você apoiou tio Constantino e fez valer essa lei. Por que fez isso, se não aprecia os Cristãos?


Licínio, de cenho fechado e olhar distante, considerou:


- Eram outros tempos, muito diferentes de agora. 


Constantino ainda tinha algum respeito pelos seus colegas militares, e talvez até mesmo pelos desgra-çados Cristãos. Agora, todos não passam de instrumentos de seus interesses, de bonecos em suas mãos... De coisas, entendeu? Coisas que ele usa conforme seus desejos e caprichos. A cada um ele usa e descarta, como fez comigo. Ou você acha que seu tio vai descansar enquanto não me enfrentar?

Licínio parou por um momento, depois bradou, ainda mais enfurecido:


- E vou derrotá-lo! Ele não me vencerá!


Juliano baixou a cabeça, limpando as lágrimas, e fitou a mãe com terna tristeza. Licínio sumiu esbravejando pelo corredor. Podia-se escutar sua voz ecoando pelo palácio e desaparecendo aos poucos. Logo que Licínio afastou-se, Helena entrou depressa, trazendo consigo um médico romano, que havia pouco se tornara cristão. Já conhecendo a gravidade do problema de Constân-cia, ele não demorou a fazer-lhe novo e cuidadoso curativo, e em seguida fê-la beber um preparado que ele fizera com muitas ervas, para restituir-lhe a força e ajudar seu próprio corpo na restauração do ferimento. Helena o ajudava, observando-o em silêncio. Juliano se afastara um pouco, pois não suportava ver a mãe naquelas condições. Otávio não havia ainda terminado os seus cuidados, quando Gripínio, o sacerdote mais graduado e responsável pelos serviços aos deuses romanos, entrou no quarto em busca da mulher de Licínio. Juliano adiantou-se e informou:


- Otávio já cuidou dela.


- Seu pai ordenou que eu a visse. 


- Pois ele não está aqui agora. Eu, sim, e digo que ela já recebeu os cuidados de que necessitava. Deixe-nos. Meu pai não sabia que eu já mandara vir ajuda, por isso foi procurá-lo.

- Engano seu. Ele foi à minha procura porque confia em mim e sabe que farei o que é o melhor para salvar sua mãe.


- Ela já foi socorrida. Agradeço, mas não necessitamos mais de sua ajuda.


- Pois bem, se algo acontecer a ela, será sua responsabilidade!


- Minha?! Ora essa! Meu pai foi quem quase a matou e você vem me dizer que a responsabilidade será minha?


- Então me deixe vê-la!


Otávio, que terminara o atendimento, interveio:


- Consinta que ele a veja, Juliano. Que mal pode haver? O estado dela é muito grave e toda a ajuda é bem-vinda.


O rapaz afastou-se da cama para que Gripínio se aproximasse. Ele a examinou minuciosamente; depois se ajoelhou e fez alguns gestos, pedindo socorro aos deuses. Em seguida, fitou Otávio, que aguardava em silêncio, e disse a Juliano:


- Ela recebeu cuidados adequados. Agora está nas mãos dos deuses. Vou até o templo preparar um sacrifício especial pela vida dela. Eles haverão de me escutar.


Juliano balançou a cabeça sem dizer nada e Gripínio saiu do quarto. Otávio aproximou-se do rapaz e, tocando-lhe o ombro, disse:


- Como disse antes, o estado dela é bem delicado. 


O que podemos fazer agora é pedir a Deus por ela.

- Será que está sentindo muita dor?


Dessa vez foi Helena quem se aproximou e disse:


- Uma das ervas que Otávio lhe deu tem efeito de atenuar a dor. Dirigindo-se ao médico, ela indagou:


- Não há mais nada que possamos fazer?


- Continue dando o chá de hora em hora. Isso vai ajudá-la. Se seu estado piorar, veremos o que podemos fazer. Por enquanto, temos de aguardar.


Helena se prontificou:


- Se você me permitir, Juliano, vou ficar aqui cuidando dela, dia e noite.


Otávio também se ofereceu:


- Tenho algumas tarefas para terminar, mas depois posso ficar aqui também.


Apertando as mãos de Helena e depois de Otávio, ele concordou:


- Aceito, por certo. O estado de Constância alternou fases de ligeira melhora e de piora acen-tuada nos dias que se seguiram. Ela permanecia inconsciente. Às vezes sussurrava palavras desconexas, quase incompreensíveis, em outras calava completamente. Juliano, dedicado e amoroso, não saía do lado da mãe. Otávio e Hele-na também se revezavam em cuidados e atenção e a jovem, vez por outra, ajoelhada à beira da cama, orava ao Mestre que há pouco conhecera, rogando pela vida daquela mulher aparentemente frágil, mas cheia de força interior. Muitas vezes, ao terminar suas orações, ia devagar até a cabeceira da cama e sussurrava no ouvido de Constância:


- Não nos abandone. Por favor, lute!


Algumas semanas depois, a notícia do ocorrido com a irmã chegou aos ouvidos de Constantino3


Ele permanecia sentado, ocupando o lugar de maior destaque no centro de seus conselheiros, e ouvia a narrativa sobre as últimas ações de Licínio sem esboçar nenhuma reação. Constantino era um general respeitado pelos seus homens e pelos seus súditos. Conquistara cada pedaço do território romano que ora estava sob seu controle com muita astúcia e arguta estratégia, o que o tornara um conquistador querido e respeitado.

Com rosto de forte ossatura, transparecia em seu corpo e sua postura a determinação e a coragem de, destemida e sabiamente, lutar pelas suas aspirações. Constantino parecia incansável e inabalável. Nada tirava dele a calma e a determinação na tomada de decisões e nas ações. 


Ele raramente reagia e, sim, utilizava toda e qualquer informação ou situação em seu favor. 

Quando o mensageiro terminou de narrar o que se passava no império do Oriente, ele parecia distante, mas logo perguntou:

- E como está minha irmã agora?


- Não sabemos exatamente, parece que seu estado é muito grave.


- Está recebendo os cuidados devidos, ou Licínio a abandonou à própria sorte?


- Juliano, seu sobrinho, é quem está tomando conta dela. Constantino calou-se, pensativo. O silêncio era absoluto no salão, quando um soldado surgiu à porta e interrompeu a reunião:


- Senhor, um mensageiro da fronteira chegou apressado e deseja falar-lhe. Diz que é extremamente urgente.


Constantino não respondeu, apenas inclinou a cabeça afirmativamente. O soldado reproduziu o sinal positivo e saiu apressado. Logo retornou com o mensageiro, que aparentava abatimento e cansaço extremo.


- Senhor, trago notícias da fronteira. Más notícias, senhor. Constantino disse, atento: 


- O que houve?

- Os sármatas se preparam para invadir o reino do Ocidente. Já arregimentaram grande número de homens, que não param de chegar. O exército deles está crescendo a cada dia.


O imperador guardou silêncio. Seus generais mais leais e seus conselheiros já o conheciam bem e sabiam que seu silêncio era a maior ameaça contra seus inimigos. Todos esperavam pelo que diria Constantino, sem se manifestarem. Ele se levantou, caminhou até um mapa de seu reino e de suas fronteiras, examinou o desenho com atenção, depois virou para o soldado e perguntou:


- Mostre-me onde exatamente se concentram.


O jovem foi até o desenho colocado sobre uma mesa enorme, observou o mapa com atenção, depois apontou:


- Estão aqui, entre as montanhas...


Constantino observou o lugar exato que o jovem apontara, depois sorriu levemente e sugeriu:


- Descanse e coma um pouco. Parece exausto.


- Agradeço, senhor, mas estou a seu serviço, aguardando suas ordens. Só descansarei depois que o atender, meu senhor.


Tocando-lhe o ombro, Constantino insistiu:


- Descanse, pois tenho planos para seu regresso.


O jovem escutava o imperador com atenção, assim como os demais ouvintes. Constantino aproximou-se do mapa, analisando ainda melhor cada detalhe, depois se virou para o rapaz e disse:


- Amanhã quero que parta bem cedo e vá direto ao meu amigo, Augusto do Oriente, Licínio.


Sem compreender, todos aguardavam o esclarecimento de seu líder, que prosseguiu depois de longa e premeditada pausa:


- Quero que Licínio nos permita atravessar seu território para exterminar-mos os sármatas. Quero que ele me autorize a atravessar suas cidades mais lucrativas, para surpreender os sármatas, pelos flancos, certamente por onde não esperam que ataquemos.


Um de seus generais apenas balbuciou:


- Mas esse é o caminho mais longo... Constantino comentou, com sorriso irônico:


- Pode até ser mais longo, mas iremos conquistando tudo o que estiver em nosso caminho. Ao nos defrontarmos com os sármatas, não somente nosso exército será maior, como meu império estará consolidado. Confie em mim, Galenius, sei o que estou fazendo. Erguendo todo o seu corpo e esticando o braço em sinal de profundo respeito, Galenius saudou o seu imperador:


- Não tenho a menor dúvida disso! Ave César! 


Todos em uníssono repetiram:

-Ave!


Constantino manteve-se sério e em silêncio. No entanto, um observador atento registraria em seu olhar a enorme satisfação que sentia pela destacada posição que ocupava, pela admiração que recebia de seus subordinados e súditos, bem como pela perspectiva cada vez mais próxima de tornar-se o único imperador de Roma.


3 Constantino I, Constantino Magno ou Constantino, o Grande.

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