segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Capítulo 3 - A Medida

A medida que os generais e conselheiros deixavam a sala em alvoroçada conversa, Constantino acomodou-se em sua cadeira suntuosa, seu trono. Sentou-se e observou seus homens se afastando; apenas os mais próximos ainda permaneceram com ele. Mentalmente, felicitou-se por estar mais uma vez aproveitando tão bem as circunstâncias em seu favor. Claro que não ficara feliz com a notícia de que a irmã estava doente, mas a agressão de Licínio contra ela era desculpa mais do que suficiente para que seus homens o seguissem em sua condição de Augusto ferido no orgulho familiar. Licínio mais uma vez passava por um brutamontes, e deveria ser contido a todo o custo.

Ele acompanhou a movimentação com o olhar, depois fitou Marco e indagou:


- Está comigo no que pretendo fazer?


- Sim, sem restrições, senhor.


Constantino levantou-se, tocou-lhe o ombro e comentou:


- Meu bom Marco, eu sei que posso contar com você. O outro respondeu sem pensar:


- E como poderia ser diferente? Licínio quase lhe mata a irmã!


Constantino aproveitou e, ainda que demonstrasse fixar apenas Marcos, estudava de canto de olho as mínimas reações de Helenus e Domenico; consciente da admiração e do respeito que ambos dedicavam aos cristãos, arrematou:


- Ele está piorando a cada dia. E esse problema com os cristãos, agora?


Os outros dois permaneciam calados. Marco, Helenus e Domenico eram os três homens de confiança absoluta de Constantino, o que no império romano daquela época era algo quase impossível. Temia-se até a própria sombra. Os três generais que ocupavam a mais alta graduação do exército pretoriano haviam sido transformados em guarda pessoal do imperador do Ocidente e agora acompanhavam-no em tudo, participando de todas as suas decisões. Experientes e astutos, apoiavam Constantino, não sem questionar-lhe, muitas vezes, as ações.


Constantino calou-se, usando o silêncio como tão bem sabia fazer. Voltou a sentar-se e fixou o olhar para fora da janela, distante. Pensava ativamente nas estratégias que usaria para vencer Licínio. 


Esperava pelo apoio de seus homens de confiança, pois sabia do tremendo desafio que vencer o imperador do Oriente representaria. Seria uma batalha das mais difíceis, pois o próprio Licínio era igualmente um general experiente e dominador, possuindo um exército muito maior do que o de Constantino, em número de homens.

Finalmente, Helenus e Domenico aproximaram-se de Constantino e, reverenciando-o, afirmaram:
- Também estamos com você em sua decisão. Licínio precisa ser detido.


- Ótimo. Logo mais nos reuniremos para traçar um plano de ataque detalhado. Já tenho algumas idéias e poderemos definir nossa estratégia.


Helenus e Domenico se retiraram, enquanto Marco permaneceu ao lado de seu imperador, a quem tanto admirava. Daria a própria vida por ele, tamanha sua admiração. Constantino, confortavelmente instalado em seu trono, pensava em suas estratégias, e, apesar de estar convicto de sua decisão, sentia um desconforto ao imaginar-se confrontando Licínio. Era a sua consciência que buscava espaço para alertá-lo do perigo de suas intenções.


Ao perceber-lhe o titubear sutil, duas entidades espirituais, trajando pesado manto negro, aproximaram-se dele e sussurraram-lhe aos ouvidos da mente: "Licínio precisa ser detido. 


Não há nada de errado nisso. Você, e somente você, deve ser o único e absoluto César de Roma. Será muito melhor para o império. Um reino dividido não pode subsistir. Roma precisa de você.

Você, Constantino I, será um imperador que marcará a história de sua época e jamais será esquecido. Um reino dividido não pode subsistir... 

Um reino dividido não pode subsistir...".

Registrando as palavras do espírito ao seu lado, Constantino tomou-as como seus próprios pensamentos e sentiu-se aliviado. Sem dúvida, estava fazendo o correto.


Distante dali, Juliano acabara de pousar sobre a mesa uma cumbuca com água fresca que dera à mãe. Olhando pela janela, suspirou profundamente. Com olhar distante, pensava no pai, no tio e em toda a situação do império. Ele desprezava a atitude de Licínio, sua ganância e seu desejo de poder o enojavam - especialmente porque detectava na corte, e naqueles que circundavam seu pai e acompanhavam seus passos de perto, os interesses acima de tudo.


Percebia o ambiente hostil em que passara toda a sua vida, com medo de todos, sempre protegido pela mãe. Aquilo não era a vida que ele imaginava.

Não apreciava aquela disputa pelo poder a qualquer preço. Quando acompanhava o pai em alguma viagem perigosa, a mãe sempre o cercava de uma guarda pessoal reforçada, temendo pela sua vida. Ela temia até que o próprio pai lhe fi-zesse mal, e ele também. Definitivamente não confiava no pai. Também não confiava no tio. 

A única pessoa em quem de fato confiava era sua mãe. E naquele momento ela estava naquele estado, praticamente entre a vida e a morte.
Estava distraído quando escutou:


- Meu filho...


Sem acreditar, correu até a mãe. Ajoelhando-se, beijou-lhe a face e em lágrimas balbuciou:


- Mãe... graças aos céus...


- Onde está seu pai?


- Eu não sei. Ele viajou, acho. Fique calada, mãe, você não pode fazer nenhum esforço. Foi ferida gravemente e precisa ficar tranqüila para se curar.


- Seu tio...


- Constantino?


- Sim... Precisamos falar com ele...


- Por quê?


- Sei que algo ruim vai acontecer...


- Não, mãe, você precisa se acalmar. Tudo ficará bem, mas precisa ficar calma. Como se sente?


- Estou com fome. Juliano exclamou sorrindo:


- Isso é um ótimo sinal! Você está melhorando! 


Que maravilha, mal posso crer...

- Pensou que iria livrar-se de mim tão fácil?...


- Não diga isso, mãe. Não sabe o quanto sofri esse tempo todo.


- Faz tempo que estou aqui, nesta cama?


- Umas duas semanas.


Fazendo menção de erguer-se, foi impedida pelo rapaz:


- Não, mãe, o que está fazendo? Não pode levantar-se ainda. Deixe que Otávio a examine primeiro. Você ficou muito mal...


Constância, impedida pelo filho, voltou a deitar-se enquanto falou:


- Sinto-me bem. Apenas um pouco tonta e fraca, mas estou bem. Não tenho nenhuma dor.


- Mas seu corte foi fundo e você perdeu muito sangue. Agora vai precisar de uma dieta especial por algum tempo para poder recuperar-se por completo. Portanto, fique aí quietinha. Logo Helena virá e então pedirei que chame Otávio. 


Somente ele poderá autorizá-la a se levantar. 

- Estou aflita por seu pai. Onde ele está?

- Já disse que viajou, mãe.


- Para onde? Quando volta?


- Ele saiu daqui enfurecido. Sabe que tio Constantino o irrita profundamente.
- Eu sei.


- E receio, mãe, que não haja mais nada que possamos fazer.


- Eles se enfrentarão em breve.


- O que me diz? Ele lhe falou que iria atacar Constantino?


- Não. Constantino marchará contra seu pai.
- Como sabe?


- Eu simplesmente sei e temo por ele.


- Como pode ainda querer-lhe bem, depois de tudo? E não somente o que lhe fez agora, mas a forma como a tratou a vida inteira?


- Fui e sou fiel aos meus deveres. E você também deve ser. O caráter de um homem se mede pelo respeito que ele tem por si mesmo e pelos seus semelhantes.


- Acontece que meu pai não tem respeito por ninguém.


- E como aprenderá, se o tratarmos de igual modo?


Juliano sorriu afetuoso e comentou, depois de longo período de silêncio:


- Simplesmente não sei como consegue, mãe. Constância insistiu:


- Sabe onde ele está?


- Não, mãe, ele não me disse nada e realmente não me interessei em saber. Em breve estará de volta.


Apreensiva, ela balbuciou:


- Não tenho tanta certeza...


Helena entrou e ao deparar com os dois conversando, correu ao encontro deles, chorando:


- Minha senhora, graças a Deus acordou! Está melhorando...


A madura senhora respondeu:


- Seria melhor estar no mundo espiritual agora, mas ainda tenho tarefas a cumprir por aqui.


Limpando as lágrimas Helena disse, segurando as mãos de sua senhora:


- Fico feliz, a senhora nos faria muita falta.

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